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quinta-feira, 31 de maio de 2012

O texto que não deveria ser lido

Na última vez em que fui internada em algum hospital, a coisa não foi lá muito agradável. Lembro daquele sentimento de dor, de solidão, de medo, de angústia. Lembro de acordar meio tonta, meio perdida, meio triste. O coração batendo fraco, a luz cegando o pouco de visão que eu podia suportar. Uma seringa injetada na minha veia, bombeando o sangue alheio. Algum anônimo desse mundo podre ajudou a salvar a minha vida, e serei eternamente grata a ele/ela por isso. Coma induzido, foi o que eles me disseram. Caminhões, fatalidades, durma. Essas coisas que a gente escuta quando sobrevive a uma tragédia. Logo se passaram duas semanas e eu tive alta. Ainda fraca, ainda exausta, ainda perdida. Não sabia qual era a parte de mim que tinha se ido no atropelamento, não sabia qual era a parte de mim que tinha ficado. Eu passei por uma fase pós quase morte, na qual só conseguia me mover por instinto e carência. Era tudo puro sentimento. Distribui eu te amo pra todo mundo. Distribui sorrisos, agradecimentos, lágrimas, conforto pra quem quisesse pegar. Era eu dizendo pra todo mundo que as coisas iam ficar bem. Era todo mundo dizendo pra mim que eu tinha de ser forte. E eu era. E eles eram também. Mas parecia nunca bastar.

Na quarta que vem, farão seis meses. Seis meses. O tempo coringa, o tempo que eu precisava para estar bem. Foi o que me disseram no hospital: Daqui seis meses, tu já tá voando. Não acreditei. Não queria ouvir. Quem eles pensavam que eram? Eu que sabia quando e como ia melhorar. E não é que eu fiquei boazinha dentro de três meses? La estava eu, de muleta e tudo, andando. E que felicidade! Só quem perde sabe o valor que tem essas coisas tão naturais. Tão natural caminhar né? Mas eu fui privada disso por três meses. Três longos meses. E eles me disseram que eu só iria caminhar em seis meses, com sorte. Alguns médicos penalizados me garantiram que até o natal eu já estaria caminhando muito bem. Minha família tentava ser o mais gentil possível, me dizendo pra ter paciência. Daqui há alguns anos tudo ia se resolver. Seria eu na minha melhor versão quase normal possível. E sabe o que eu dizia? Não. Eu dizia não pra tudo isso. A gente não sabe a força que tem até que a nossa única alternativa é ser forte. Eu fui forte não por ser uma pessoa assim por natureza, mas por estado de necessidade. Se não fosse pela minha fé na minha própria capacidade, provavelmente ainda estaria presa na cadeira de rodas.

Seis meses. Quase seis meses. Nem sei ao certo como me sentir sobre isso. Consigo lembrar perfeitamente de quando estava no hospital e as pessoas usavam essa expressão. Parecia tão distante, tão vago. E seu eu não ficasse boa até lá? E se tudo desse errado? Não. Tudo ia dar certo. Tudo ia ficar muito, muito bem. Muito melhor do que eu jamais imaginei que ficaria. Repetia os mantras de positividade todos os dias. E um fogo, uma ardência que me queimava inteira por dentro, noite e dia. Sempre tive essa chama, mas enquanto estive na cama do hospital ela era incessante. Um combustível pra minha incapacidade temporária. Quando voltei pra casa, lembro que ainda não podia fazer muitas coisas. Passava meus dias sentada, assistindo tv, lendo, dormindo ou jogando qualquer coisa. Todos meus amigos eram bem vindos, sendo eles próximos ou não. Conheci primos distantes, fiz as pazes com tios que nunca gostei. Reconheci o poder da autonomia, da liberdade, da independência. E, de repente, algumas coisas antes inadmissíveis, acabaram acontecendo. Perdi muitas coisas. Muitas pessoas. Perdi a mim mesma. Caí umas duas ou três vezes. Chorei por muitas horas. Fui triste, verdadeiramente triste. Mas jamais desisti. E a cada dia que passava, eu estava mais próxima dos seis meses, da minha libertação.

Escrevo isso por que preciso falar sobre o que me angustia e prefiro não dizer nada a quem se importa. As pessoas normalmente tem a tendência de se preocupar demais se o nosso psicológico anda meio afetado, então tudo isso vai ficar só nos meus textos mesmo. Se importar é um perigo, eu sempre digo isso. Sabe o que me deixa angustiada? A cirurgia. A imprevisível cirurgia que vai me cortar a realidade ao meio. Farão seis meses na semana que vem e prefiro acreditar que, até lá, tudo ficará bem. E pra que tudo fique bem, eu preciso que essa cirurgia seja concluída com sucesso. Daí me vem pessoas que realmente, realmente se importam, dizendo que Deus tá comigo e eu preciso ter fé e tudo vai acabar bem. Me assusto. Cadê a minha fé inabalável naquele que me fortalece? Talvez tenha sido alguma espécie de sinal divino. Diversas pessoas me falando sobre como Deus vai sim olhar por mim. O problema é que fica difícil. Fica difícil me acalmar e pensar positivo. Por que toda vez que eu penso sobre amanha, me vem todas as lembranças da minha ultima experiência. E me vem dor, medo, solidão. Aqueles sentimentos escuros que me derrubaram em cheio no meio da rua, voltam com tudo. A única lembrança que eu tenho do que me aconteceu naquele dia, volta com tudo. E sinto medo. Medo de acordar novamente num quarto de hospital, meio perdida, meio triste, meio sem sangue. Ainda que a cirurgia não seja nada em comparação à ultima intervenção cirúrgica que eu sofri, me assusto. Vem então aquele cheiro dos lençóis do hospital. A dor da agulha pinicando minha veia, me deixando transbordar de morfina até as orelhas. A fraqueza, a sujeira, o cansaço. Vem tudo e não vem nada também. Não sou receptiva pra essas lembranças, mas elas me invadem. Talvez isso se chame trauma, talvez se chame besteira.

E agora sinto o peso desse texto. Ele me esmaga, tu vês? Me esmaga feito um caminhão a toda velocidade. Chega, chega de caminhões. O Senhor é meu pastor e nada me faltará. Vou ler a bíblia, fortalecer minha fé, redimir meus pecados. Preciso tomar algumas medidas antes de ir pro abate de novo. Antes de sair de lá renovada. Antes de renascer das cinzas, mais uma vez. Preciso dizer sim à mudança, por que somente ela poderá me libertar dessa mesmice nostálgica, desse embalo triste. Preciso... Preciso chorar e deixar que essa maré role pra fora do meu corpo, limpando minha alma com a lágrima pesada. Sinto-me mais leve, embora não menos apavorada. Tenho coragem, mas ainda assim posiciono um pé atrás. Lembro então que estarei anestesiada. E tudo não passará de uma lembrança que nunca terei. Como um corte feito na linha do tempo da minha vida. Como o acidente em si foi pra mim: Algo inexistente nos confins da minha memória. Mas chega, chega. Já estou beirando a loucura, o inconformismo e a vergonha. Só vejo luz, tu vês? A luz que me abraça e promete um dia melhor, uma recuperação fácil, um resultado agradável.

Chegou a hora de nascer de novo, pela segunda vez, em menos de um ano. Adeus tragédias desnecessárias. Abro meus braços para meu corpo que se transforma, para minha alma que se lapida. Abro meu coração para o futuro. E que seja o que tem de ser. Desejem-me sorte: Vou nascer de novo.


 

terça-feira, 29 de maio de 2012

O Bode Expiatório

Políticos Corruptos. Não preciso dizer mais nada, né? Não, não preciso. A lei do colarinho branco. Lavagem de dinheiro. Dólares na cueca. Mensalão. A vergonha do governo Lula. A vergonha do governo Dilma. A vergonha do PT. A vergonha do PSDB. A vergonha do PSOL. Todos são uma vergonha. Político é tudo corrupto e é só por isso que o Brasil tá uma merda. Certo, galera? Pois eu digo não.

Que história é essa agora de todo mundo se revoltar contra corrupção? Abriram os olhos só agora, minha gente? Pois eu digo não. Então o povo brasileiro ficou mais ligado na politicagem agora? Então o povo brasileiro sabe criticar o Estado, agora? Pois eu digo não. Sabe qual o meu problema em aceitar essa pseudo evolução sociológica? Por que tá tudo errado. O povo não tá mais inteligente, a minha vizinha não anda lendo Veja e o trabalhador nosso de cada dia não quer saber do que Marx pregava. Eles só repetem. Crianças que estão aprendendo a falar, é isso que o povo brasileiro representa. E falam tudo gaguejando, tudo errado, tudo estranho. Falam pela primeira vez, achando que sabem demais. Nunca pegaram um livro na mão sobre assunto, nunca sentaram um segundo pra ler sobre política. Mas quem precisa disso quando se sabe muito bem que os políticos são todos corruptos e o Brasil jamais vai ir pra frente por culpa deles? Essa é a questão. A culpa não é dos caras engravatados. A culpa não é da Dilma, se tem pobreza. A culpa não é do Tarso se a educação tá uma bosta. A culpa é toda nossa. Tu quer a diferença, meu amigo? Seja a diferença.

Quantos mandatos já tivemos mesmo? Quantas leis? Quantas Constituições? Quantos políticos? Muitos. E ainda assim havia pobreza, corrupção, morte, violência, desigualdade, analfabetismo, preconceito, fome, blá blá blá. E daí me vem o povo e diz com a boca cheia que a gente tem mais é que tirar esses políticos corruptos do senado. Daí me vem o povo com o peito todo inflado e diz que a gente tem mais é que por fogo lá no Supremo Tribunal Federal. Daí me vem eu lá no primeiro semestre da faculdade de direito, com uma mochila enorme dos Beatles, um all star surrado e uma cara de "eu sei mais das coisas do que vocês" e digo pra todo mundo que política é uma bosta e o direito é uma bosta e estudar sobre tudo isso não vale a pena. Quer saber? Deveriam ter é enchido a minha cara a tapa. Por que eu, na minha rebeldia pseudo intelectual, era apenas mais uma da massa tentando gritar vitória sobre assuntos que não entendia. Por que eu, com meu parco conhecimento e minha cultura completamente influenciada por caras geniais como o Datena, fazia grito de guerra e culpava toda a câmara de deputados por todos meus problemas econômicos. Por que eu, na minha ignorância imatura, fazia críticas repetitivas e acusações mal fundamentadas sobre pessoas que não conhecia e profissões que não entendia.

Eu sou parte do povo e o povo me ensinou que a minha pobreza, a minha ignorância, a minha má educação e qualquer outra circunstância dificultosa, provém do mau exercício político daqueles caras enrugados nos quais meus pais votavam. Quer dizer então que o mundo inteiro tá uma merda sem fim por que o pessoal lá do senado não sabe trabalhar direito? Sério? Então eu frequentei a escola por treze anos e agora frequentarei a faculdade por mais cinco anos só pra quando chegar lá no dia da minha graduação eu poder sentar e dizer "É, o país tá uma merda"? Não! Não, não pode ser assim! De que vai valer a minha vida se eu não fizer nada para muda-la? De que utilidade eu terei se não puder fazer nada no mundo, no país, no bairro em que eu moro? Isso é política! Viver em sociedade e influenciá-la de modo direto ou indireto é política. Dar o calote, não devolver o troco, mentir, roubar, convencer para fins ilícitos... Isso é política. Protestar, gritar, fazer baixo assinados, lutar... Isso é política. O ser humano, apenas por ser um ser sociável, é político por natureza. E eu, com toda a minha capacidade política de fazer política, apenas deixo a minha bunda parada no sofá enquanto reclamo do meu salário baixo e culpo mil e um políticos corruptos e malvados.

Mas, esperaí... Quem foi que votou neles mesmo? Será que fui eu, aquela tristonha pessoa que caminhava de ombros baixos e olheiras fundas, odiando o dia ensolarado e o dever de votação que esses políticos corruptos me fazem ter, pensando nos milhares de números que os candidatos diziam nas propagandas e em qual me parecia mais sonoro ou mais a ver com meu zodíaco? Fui eu, na minha ignorância, na minha indiferença e no meu costume tipicamente brasileiro de empurrar tudo com a barriga, que fui até a maldita urna e digitei o número mágico. Fui eu! A que entende tudo de política e sabe que todo mundo é corrupto. Pô, se fosse eu lá a coisa ia ta muito diferente. Pô eu ia acabar com a fome dos cearenses, ia acabar com a seca lá do nordeste, ia abrir escolas lá em Tocantins, ia parar com o desmatamento da Amazônia e ia criar um monumento do Che Guevara lá do lado do Cristo Redentor. Pô, eu ia mandar tropas da marinha pra levar comida lá pra Cuba e pra África, eu ia ter uma aliança com o Barak e nunca mais ia permitir a exploração internacional do nosso petróleo. Pô, eu ia fazer e acontecer. Eu ia pôr esse país a baixo. Por que a Dilma não sabe fazer isso. Por que o Lula não soube fazer isso. Mas eu... aaah, eu ia!

Não, minha filha! Não! Os caras são presidentes e não uma liga de super-heróis da Marvel. Eles são pessoas com um emprego qualquer, ganhando em um mês cinco vezes mais o que tu jamais vai ganhar em cinquenta anos, tentando fazer algo pelo povo ou por eles mesmos. Os caras roubam. Roubam sim e roubam na cara dura, mas não vem me dizer que a tua fome é culpa deles. A economia tá uma bosta? Vai lá estudar sobre isso e fazer tua parte. A política tá uma bosta? Vai lá e vira presidente então, muda esse país de merda. Mas ficar gritando aos quatro ventos, sem o mínimo conhecimento, que o país tá uma merda por que político é tudo corrupto... Bom, isso aos meus ouvidos soa mais como bode expiatório. Claro né, a copa é tão linda que a gente não tem tempo de pensar em toda a merda que vai dar depois que o Brasil estourar os cofres públicos de dívidas e mais dívidas devido a essas construções e restaurações de ultima hora. Claro né, o nosso carnaval é tão lindo e a nossa cultura de "ôxe mainha, deixe isso pra depois" é tão genial que ninguém precisa de mais motivos pra se preocupar. O nosso país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza só tem mesmo é que reclamar de político. Político é tudo corrupto. E o povo só se dá mal por que somos vítimas nas mãos desses vilões. Coitadinhos de nós, população brasileira, que sofremos dessa desigualdade social. Culpa da política. Tudo culpa da política. Se meu filho usa maconha por que eu eduquei mal, é culpa da politica. Se minha filha deu pro tio do armazén e agora foi presa por ter abortado aos quinze anos, é culpa da política. Não tem nada que ver com educação, com costumes ou com o mínimo de bom-senso. Não tem nada que ver com a maldita mídia influenciadora de cabeças de vento. Não tem nada que ver com o comodismo exagerado. Nadinha. É tudo culpa de politico corrupto, esse câncer da nossa sociedade.

ACORDA PORRA! Como vocês não conseguem enxergar que as coisas não vão melhorar com uma criticazinha de merda publicada no facebook? Ficar aí sentadinho na frente do computador, repetindo todas as críticas que tu ouve na tv é fácil. Quero ver tu dar a cara a tapa lá no palanque e mostrar pra quê tu veio ao mundo. Tá infeliz, meu amigo? Vai lutar pela tua felicidade então. Tá querendo acabar com a corrupção? Para de ser corrupto então. O mundo tem que mudar a partir da gente. Quer diferença? Quer respeito? Quer igualdade? Seja diferença, seja respeito, seja igualdade. O teu mundo começa dentro de ti e não na mesa do senado. Posso te contar um segredo? Enquanto tu se descabela pelas ações erradas dos outros, eles cagam pra ti e pra tua revoltinha silenciosa. Enquanto tu ta aí culpando a Dilma pelos moradores de rua não terem um futuro, ela continua sentadinha no trono de ouro, feliz da vida pelo aumento dos impostos. Então, por favor, deixa de ser idiota e vai lutar. Mas luta de verdade, luta com vontade, luta com ardor. Transforma essa raiva em talento, cresce, vai atrás da evolução.

Pra finalizar, preciso ainda dizer que o Brasil não vai mudar de acordo com os políticos. A política em si é uma ciência altamente questionável, então por que confiar em pessoas que se julgam merecedoras de confiança? É confiança demais, segurança demais, falsidade demais. Acredito que a mudança seja uma questão de iniciativa, de coragem, de caráter. Vejo uma grande evolução na historia desse país, com essas marchas pela legalização disso e daquilo. Fico feliz em ver que a revolta renasceu no coração brasileiro, que a movimentação e inconformidade finalmente ganharam voz. Admiro essa coisa toda de pegar um alto-falante e tentar abrir os olhos dos nossos amigos cegados pelo brilho imundo que o mundo descarrega sobre suas mentes. Ainda temos um caminho muito longo a percorrer, mas já vejo um inicio. Embora a ignorância me entristeça, a chama viva da revolta me faz ter esperanças, e a essa chama eu dedico esse texto. FAÇA A DIFERENÇA, COMEÇANDO POR VOCÊ. O país tá uma droga, mas ficar aí criticando os caras de Brasília não vai adiantar nada. Trabalhar oito horas por dia é difícil, eu sei. Mas ficar aí falando mal de quem ganha mais não vai te fazer mais rico ou mais justo. Vamos à luta juntos, com respeito, determinação, coragem, paixão e discernimento. O Brasil precisa de gente que pensa, de gente que sabe. A nossa maior revolta é ter inteligência o suficiente para questionar o mau comportamento de quem se diz mais inteligente do que nós.

Estão preparados, companheiros?

sábado, 26 de maio de 2012

Quinze Minutos

- Me dá um beijo?

Era ele de novo. O cara que tinha me atacado no segundo andar, estava na minha frente, com alguma vontade incrível de me fazer ver estrelas ou algo assim. Mãos macias, olhos tristes, voz mansa, estatura média. Meu tipo. Definitivamente, o meu tipo. Mas não digo nada disso, preciso ser comportada. Resolvo então ser difícil. Não, difícil não. Impossível. Eu não passei a minha vida inteira criticando meninas com cabeça de vento pra depois me tornar mais uma do mesmíssimo tipo.

- Não.

- Por que?

- Não quero.

Fatal.

A música ainda tocava em uma perfeita sintonia com o movimento do meu quadril. Mas ele não escutava a musica, não se importava com o que eu dizia. Ele apenas me olhava, com aquele jeito de "cuida de mim por hoje?". Mas eu tinha que ser forte. Eu tinha que ser forte. Chega de criar milhões de esperanças sobre idiotas que não valem a pena. Chega de cuidar só por hoje e querer cuidar só pra sempre. Tô num momento de autoconhecimento e autosuficiência total. Eu e eu mesma. Daí o cara vem e me beija e depois? Sai correndo como se nada tivesse acontecido. Não. Assim não é legal. Prefiro infinitamente mais me sentir burra e solitária do que triste, desiludida e solitária.

- Eu to incomodando?

- Não, tudo bem.

Taí o meu problema. Não sei ser má. Não sei ser ruim o suficiente. É só que, ver um menino de modo tão vulnerável me dá um aperto no coração, uma vontade de cuidar... Não, não... Chega de cuidar. Eu não sou mãe de ninguém e não tô interessada na saliva de ninguém. E o cara deve estar é apaixonado por alguma menina fria que não dá a mínima pra ele. Dai acaba nisso. Ele aqui, na minha frente, tentando esquecer da cinderela lá. Eu sou o que, em? A figurante meia boca que dá pra enganar o estômago enquanto o prato principal não chega? Não. Eu sempre vou ser prato principal. Sem essa de me come agora e me larga daqui a pouco. Ou come pra sempre, ou não come.

- Então tu me da um beijo?

- Já disse que não, amigo.

- Hum... A gente pode conversar?

- A gente já ta conversando.

- Quantos anos tu tem?

Tento me distanciar. Ele pega na minha mão. Dedos macios. Pele quente. Preciso me conter. Preste atenção na musica, preste atenção na musica, preste atenção na musica...

- Sério, eu não to afim.

- Não quer conversar?

- E tu quer ser meu amigo agora?

- Quero conversar.

Hora de ceder. Conversas não fazem mal. Fazem?

- Ta bom, vamos conversar.

- Quantos anos tu tem?

- Dezoito.

- Hum...

- Sério, chega.

- Não...

- Tem outras gurias ai na pista, vai la e te diverte.

Outra tacada fatal. Eu tinha certeza de que ele só estava querendo se divertir. Eu tinha certeza que daqui a pouquinho ele ia sair correndo pra abanar o rabo pra qualquer outra cadela vestida de gente por aí, mas isso me era indiferente. Sem sentimentos, a coisa fica bem mais fácil. E muito mais perigosa.

- Mas eu gostei de ti.

- E me usar como bonequinha descartável? Não. Nananinanão. Nem pensar. Não gosto de ser mascada e depois cuspida que nem um chiclete que perdeu o gosto.

- Só curte o momento.

- Não tô no cardápio.

- Me dá um beijo?

- Eu tenho namorado.

- E onde ele está?

Touche. Ponto pra ele.

Onde diabos estava o meu namorado? No banheiro talvez. Me comprando uma bebida. Dançando sozinho na rua. Beijando uma prima minha. Sei lá. Onde estava meu namorado? Vem então toda a iluminação. Vem então, tudo que eu precisava. Lá estava meu namorado. Beeeeem longe de mim, sem ter a mínima noção do que eu estava fazendo e sem saber que era, naquele momento, o meu namorado. E era pelo meu namorado que não fazia ideia de que me namorava, que eu deveria me conter.

- Na casa dele.

- Tu ta mentindo.

- Não to não. Olha aqui o anel, ó.

- Mas tinha que ser no outro dedo.

- Mas ele é meu namorado, não meu noivo.

- E onde ele está?

- Na casa dele.

- Que pena.

- Serio.

- Sim, sério.

- E por que ele não veio?

- Ele não gosta de dançar.

- Mas eu gosto.

- É.

- Quer dançar comigo?

- Não sei dançar.

- Eu te ensino.

Por favor, ensine.

- Não, eu to bem. Sério, vai lá ó, ta vendo? Ta cheio de guria pra lá. Vai logo!

E foi assim. Foi assim que meu príncipe encantado desapareceu. Ele foi embora e nem olhou pra trás. Resolveu logo de se ocupar com alguma outra iguaria do lugar. Foi e não voltou. Banquei uma de difícil, fui impossível. Missão cumprida. Sem saliva desconhecida no meu organismo. Sem bactérias. Sem perigo de herpes. Sem mãos suaves deslizando na minha nuca. Sem o calor do momento deixando todo o resto desaparecer...

Bem. Eu tinha ido muito bem. Uma garota exemplar. Quase uma madre Teresa de Calcutá na sua versão noturna.

Um exemplo de superação. Um exemplo de autocontrole. Estava orgulhosa de mim. Fazia muito, muito tempo que não me sentia tão atraída por alguém e ao mesmo tempo tao disposta a não estar atraída por esse alguém. Me fez lembrar dos meus amores platônicos e de como era difícil esconder de todo mundo. E me fez perceber o que sempre me deixou irritada em todas essas pessoas que se beijam por esporte: É totalmente esportivo. Eu não sei ser esportiva com essas coisas. Não sei beijar sem querer cuidar, bater, casar. Não sei. Daí me aparece um cara alternativo desses bem moderninhos e faz tudo parecer mega fácil e da moda. Mas e daí? Minha carência não pode ser maior do que o meu caráter, do que os meus princípios. Beijar um bonitinho qualquer é fácil. Dificil é ser o motivo pelo qual eles jogam a vida fora em amores fugazes, em amores descartáveis. Namoros que duram por uma noite, por quinze minutos. Difícil é ser aquela que causa toda essa revolta. Aquela que é a única no mundo deles. A razão pela qual todo o resto perdeu o sentido e garotas meia boca como eu servem pra que ele se distraia de alguma forma menos solitária. Gosto de saber que existem garotas que dão sentido à existência vazia e repetitiva de meninos que parecem legais: me ajuda a ter esperanças.

Depois dele, apareceram vários outros príncipes encantados me oferecendo amores eternos com data de validade bem apertada. Um mais bonito ou romântico ou convidativo do que o outro. Cada um com sua própria voz mansa, com sua própria mão macia. Os olhos que me consumiam enquanto eu bancava a desinteressada. Interessada eu estava, disponível não. Não vejo mais graça em príncipes encantados por que eles sempre oferecem finais felizes que acabam na ultima capa do livro. E sempre me deixou a desejar. O que será que acontece depois que tudo fica bonito? Nos livros, eu não sei. Na vida real, acaba em álcool, dor de cabeça e uma manhã conturbada. Não, não quero saber de príncipes encantados. Eu só quero algum sapo que possa ser beijado e continuar sendo sapo e continuar sendo eterno. Príncipes são falsos, chatos e repetitivos. Sapos são engraçados, verdes e reais. Eu gosto do que é real, odeio o que é repetitivo.

Não saio em busca de pretendentes, embora a existência deles melhore muito a minha autoestima. Saio em busca de alguém que me faça sorrir por quinze minutos e depois desapareça, se tornando inesquecível. Descobri que gosto de dar foras em príncipes. Isso os torna mais interessantes. Descobri que eu prefiro sorrisos e flertes amigáveis a agarramentos escandalosos com desconhecidos. Gosto de quando eles me olham meio embriagados e dizem que eu sou diferente das outras. Mesmo sendo da boca pra fora. Mesmo que no outro dia eles nem lembrem do meu rosto. Sei lá, faz bem pra minha carência. Gosto da forma como o desejo deles ilumina a escuridão do meu ego depressivo. São meus quinze minutos de fama, de glória, de amor eterno. São os quinze minutos que fazem todas as outras vinte e três horas e quarenta e cinco minutos não significarem nada.

terça-feira, 22 de maio de 2012

O cara dos meus sonhos

Olhei pra ti, com esse teu jeito todo lindo e senti uma vontade doida de te sacudir. Mas sacudir mesmo, sabe? Com força, com violência, com insensibilidade. Que tristeza que me dá de te ver tão bonito e tão seco. Como que eu vou te admirar se tu te esconde nessas casquinha triste feito uma uva passa toda enrugada? E sabe, eu tô começando a achar entediante esses meninos lindos com uma casca enrugada. Dá vontade de sair metendo meu dedo em todos os olhos sedutores deles, só pra ver se acordam ou se movem com vida. Esses fantoches tristes da jovialidade conturbada me deixam tão irritada que eu quase me esqueço de que, no fundo, eu admiro o rostinho superficial que eles apresentam por aí.

Sinto falta de gente de verdade. Gente que sangra e discute. Gente que anda de pé descalço no escuro e bate com o minguinho na ponta do sofá. Gente que acorda descabelada e não tem tempo pra maquiagem, pra moda, pra glamour. Gente que fede, que soa, que espirra, que arrota, que come de boca aberta, que lê sem vontade, que leva uma lambida do cachorro na cara. Gosto de gente que tropeça e sorri timidamente pra esconder a imperfeição dos próprios passos. De gente que fica nervosa quando ama e treme toda quando se apaixona. De gente que não estuda por preguiça, que ri de desenho, que já gostou da Eliana. De gente que se olha no espelho e acha que é famoso. De gente que escorrega no barro, que morde o lábio inferior com força quando não sabe o que dizer, que coça os braços quando fica nervosa. Sinto falta das imperfeições humanas. Logo eu, que gosto tanto desses detalhes minimalistas que ninguém repara.

Olho pra ti e sinto vontade de te rasgar inteiro. Tu é tão lindo, mas tão lindo, que essa tua casquinha enrugada de uva passa me deixa louca. Esse teu papo de que as pessoas não merecem tua confiança e a vida é triste sempre me ganha. Adoro casquinhas conturbadas. Gente que tem um rosto lindo e uma vida linda e, ainda assim, conseguem sentir tristeza ou solidão. Gosto de ser eu a preencher algum vazio de peitos fortes e másculos e cheios de sonhos não realizados. Sei lá, a desilusão dá um toque especial a essa beleza jovial. Faz amadurecer a expressão. Gosto de expressões maduras e sorrisos tristes. Gosto de olhos que brilham com o meu sorriso e de mãos que seguram a minha insegurança que finge ser segura. Sou dessas que tem uma vida mais ou menos e um rostinho mais ou menos e, ainda assim, consigo sentir alegria e companheirismo. Talvez seja isso que a gente procure mais nos outros: Aquilo que nos falta. Me falta falsidade, medo do que é alto demais e grosseria. Sempre quis ser grosseira. Em compensação, tu é tão lindo, mas tão lindo, que até tua grosseria mal educada parecer ser apenas alguma falha temporária na tua boa educação.

Daí a gente tira umas fotos juntos e eu não deixo de pensar em como tu é lindo. Esse maxilar empinado, essa expressão europeia. Não que eu saiba muito bem como é ter uma expressão europeia, mas acredito que seja assim. Te apresento minhas amigas e me surpreendo: vocês já se conheciam! Ô mundinho pequeno... Nada muito pessoal, claro. Uma conversa aqui, uma saliva ali. Acho lindo. Tudo é lindo. Esses teus olhos azuis são lindos. Afinal, quem iria resistir? E daí tu me fala que se sente sozinho. Não, não! Eu to aqui ó, pega minha mão. Ai que doido, ele pegou na minha bunda. Tadinho, é tão carente que mal pode esperar. E que mal há? O cara é lindo. E triste. E tem olhos que me hipnotizam. Então deixa que toque mesmo! Ah, o que? Expressão de amor verdadeira? Na tua casa? Não posso... Iiiih, tu tá sozinho e triste é? Tá, já vou.

E fui mesmo.

É que, sei lá... Não resisto a um cara triste e solitário. Gosto de ser aquela que preenche o vazio existencial dentro da mente de merda deles. Mas sempre me arrependo depois, parece meio forçado. Falta algo, tipo, sentimento, sabe? Falta algo que preencha além dos olhos. Sempre vou embora me sentindo mais uma uva passa toda seca e enrugada do que como a fada brilhante que eles dizem que eu sou. Gosto de gente de verdade que sente de verdade.

Gosto de gente bonita que me mente na cara dura. Gosto de acreditar nas mentiras de gente imperfeita e mentirosa e bonita que me engana só pra matar o tédio por alguns minutos. Sou aquela que sempre corre em socorro de quem me oferece amor. Por isso te vejo e sinto vontade de te rasgar e te sacudir: Teu oco é tão grande que me obriga a enganar a mim mesma. Te vejo e sinto vontade de correr pros teus braços enormes e vazios, só por que sei que não tem nada lá dentro. No vácuo, as ondas não se propagam. Te mando calor e recebo nada. Gosto de gente que me engana. Gosto de gente que me obriga a enganar a mim mesma: Nossa história só existe quando há tédio. Nossa história só existe no vácuo, por que é lá que não existe nada. Gosto de gente que me oferece certa esperança e depois me desilude: Só assim consigo voltar para a realidade.

O tempo não cura

É. É isso mesmo que ta escrito aí em cima: O tempo não cura.

Acabei de ler ali no facebook que o tempo cura tudo. E vomitei encima do teclado. O tempo não cura, caramba! Quem foi que disse isso? E se você sofre de hipertensão ou não gosta de ser desiludido, não leia esse texto, por que eu vim aqui só pra desmentir esse mito horrível que tem enganado todo mundo por gerações. O tempo é apenas o tempo. Sabia? A afirmação pode até ser idiota, mas é verdadeira. O tempo não é nada mais do que os segundos e as horas e os dias e as semanas passando e passando, não importa o que aconteça. Ou tu achas o quê, minha filha? Que tu vais acordar depois da tempestade e se sentir maravilhosa só por que algumas horinhas passaram? Mas que baita mentira! Tu achas o quê? Que o mundo vai parar de girar só porque essa dor aí tá te matando? Que nada! O mundo é cruel. É foda de viver aqui, sabia? A gente acha que é bonitinho e poético e tal, mas não é nada disso. Um belo dia tu vais acordar e tua vida inteira vai cair na tua frente. E daí? Tu vais ficar sentadinha esperando o tempo passar e te curar ou vai ir lá e lutar? Vamo, cara. Levanta! Vamo lutar, vamo lutar!

Quer saber da verdade? Da verdade mesmo? Quer? Ó, te prepara em... Lá vai: Quem cura alguma coisa nessa porra toda, é tu. Não tem muito a ver com o tempo, não! Pode acreditar em mim. Sabe que que o tempo faz? Ele ajuda. Sabe? Sabe aquele tempo, tempinho, tempão, que passa depois dos problemas? Pois é... É tu que escolhes como vai gastá-lo, é tu que escolhes como vai aproveitá-lo. E a gente pode usar do jeito que quiser. Tu pode passar meses, anos, séculos chorando pelo leite derramado. Tu pode viajar pra esquecer e fazer tua nova estrada. Tu pode estudar pra tirar tua cabeça do foco ruim e redirecioná-la para algo que traga resultados. Tu pode entrar na academia e malhar até ficar toda dura de tanta determinação, só pra fazê-lo passar mais rápido. Não importa o que tu vais fazer, contanto que escolha! A escolha, o livre-arbítrio, já ouviu falar? Ahh... Aquela sensação de... De liberdade! Escolha! Escolha! Não é o tempo que vai vir que nem uma onda e levar teus problemas pro fundo do mar. É tu. Tu que vai seguir outro rumo, olhar pro outro lado, tentar diferente. É tu que vai sentar e chorar por anos por algo imutável. É tu que vai se trancar na frente da televisão pra não lembrar. É tudo tu! O tempo só te dá a possibilidade de ter o outro dia, o outro minuto, a outra oportunidade. O tempo faz seu papel de tempo quando passa a teu favor. O tempo faz seu papel de tempo quando separa o passado do presente e do futuro. E acredite se quiser, é isso que torna o tempo nosso grande privilégio.Quer um conselho? Vem comigo. Vamos converter essa desgraça em algo produtivo. Vamos? Sem contar com o tempo, com o milagre, com a religião ou com a inveja. Não, não. Sem ilusões e sem inveja. Limpa tudo, minha querida. Vai limpando tudo. Enquanto tu não se livrar do ruim não vai ter segundo passo, então vai lá e limpa. Afinal, temos todo o tempo do mundo. Pega teu tempo pra tirar o veneno que te corrói. Depois, pega teu tempo pra se reconstruir. Depois, pega teu tempo pra errar de novo. Depois, pega teu tempo pra crescer. E assim a gente vai, nesse ciclo todo bonito da renovação. Renove-se! Mas não desiste não, por que a desistência é ainda pior do que a passividade. Tem gente que não desiste, mas por algum motivo, também não luta. Tenho fé nessas pessoas passivas: gosto de acreditar que um belo dia elas vão ter um impulso de vida e BUM! Tudo passará a fazer sentido. Mas quanto aos que desistem... Bem, por esses eu fico triste. Fico triste e ignoro também. Ignoro tudo que gosta de ser ignorado. Sabe, aquela história do "cuidado com o que deseja?". Pois é.

Então limpa o rosto, engole o soluço e levanta a cabeça. Vai lá, empina beeeeem esse nariz. Quero ver tu olhando pra frente grávida de vida, que nem a Macabéa que a Lispector matou. Vamo lá, para de lamentação. Eu sei que é difícil, mas para com isso. Sabe esse mundo todo tosco e poluído? A gente vê ele do jeito que quiser. Sabe a nossa vida toda errada e fora do lugar? A gente faz ela do jeito que quiser. Sabe qual o segredo? Acreditar. Vem, vem aqui e para de ficar triste. Sabe tudo que tu mais quer no mundo? Pensa bastante nisso. Pensa nisso o tempo inteiro. Viva por isso. Fale sobre isso. Procure sobre isso. LUTE por isso. Sabe toda essa tua energia estática que sempre faz teu cabelo levantar no dia de chuva? Essa é a grande mágica, meus amigos. É nisso que precisamos acreditar, na nossa energia. Então, presta bastante atenção no que eu vou te falar: Acredite. Se algo nesse mundo te faz sentir mal, mande luz e amor e tudo de bom. Isso ajuda a purificar os sentimentos e renovar as crenças. Sabe aquelas pessoas que te deixam triste, que te deixam irritada, que te humilham, que não merecem um pingo da tua atenção? Não chore por elas, não se irrite por elas. Mande amor. Mande luz. Mas mande verdadeiramente, o que também é muito difícil. O segredo está em se ver além. Todos temos problemas, todos somos humanos. Todos erramos, todos magoamos, todos somos magoados. A psique humana vai muito além do superficial sociológico que diariamente somos obrigados a assumir. Raramente as pessoas mostram seus medos, suas fraquezas, seus sonhos. Raramente nos importamos com isso. Então tente ver além. O tempo não faz as pessoas deixarem de ser tristes, irritadiças, mesquinhas ou fúteis. O tempo dá a chance que elas mesmas se modifiquem. Então para com essa mania de pensar que daqui a tal tempo tal pessoa vai ficar bem. Dependerá dela. Para de ficar pensando que tudo vai melhorar daqui há dois meses. Vai depender de ti. O mundo não para de girar pra que as pessoas arrumem tudo. Muito pelo contrário: Enquanto o tempo passa, só vem a impossibilidade do retrocesso. Vamos empilhando erros, lágrimas, rugas, sujeira, morte e dor. Vamos só empilhando por que não há volta. Daqui há algum tempo, tudo pode ficar pior. Sabia? A gente vai empilhando sujeira aos montes. O mundo vai, pouco a pouco, se deteriorando. As pessoas vão, pouco a pouco, se aproximando da morte natural. Então, acredite em mim: Não dependa do tempo. Faça o tempo depender de ti. Usa ele a teu favor. Pega tuas experiências, tuas dores, tuas alegrias e converte tudo em alguma solução, em alguma resposta, em alguma maneira de seguir em frente. Sempre, sempre em frente. O ser humano tá fadado a evoluir sempre, já sabemos disso. Não precisamos de religião pra comprovar o destino lógico da humanidade, já que a própria ciência sabe que a gente só pode evoluir.

Vai, levanta logo. O tempo não cura. O tempo não apaga. O tempo não faz nada além de te empurrar pra frente. Então aprende a não ficar estagnado. Aprende a sofrer, a chorar e a odiar apenas o suficiente pro teu crescimento. Na hora certa, tu vais saber o que fazer com todo o sentimento ruim que te invade. Na hora certa, tu vais amadurecer e perceber que a vida é muito mais simples do que parece. A gente não tá aqui só pra encher linguiça. A gente tá aqui pra transformar esse planeta horroroso em algo melhor pra se viver. Então vai lá, abre a tua janela. Tá vendo a chuva? Pois é, o tempo tá ruim. Mas ele não vai parar de andar enquanto tu tens medo de pegar uma gripe. Sorria! A chuva vem pra nutrir essa natureza linda. Daqui a pouquinho o sol sai de novo e seca tudo, então aproveita. Vai lá e te molha. Te arrisca, te supera. Esquece desses limitezinhos idiotas que te prendem dentro de casa, o mundo tem muito mais do que isso pra oferecer. Agora, por favor, sai daí de uma vez e vai lá te molhar que eu já to indo também. O tempo não cura gente, o tempo não cura. Mas eu. Eu e tu. Nós, sabe? Nós podemos nos curar.


 


 

Deixar

Te mandei todas as rosas que eu pude hoje. Fiz uma orla ao redor da tua cama, te banhei com o perfume delas. Te joguei folhas do outono, te soprei os cabelos com o ar quente que me saiu dos pulmões. Tu não vistes nada, estava dormindo. Então te beijei na testa, agarrei tua mão e sorri. Enquanto aquele líquido viscoso saia do meu nariz, eu sorria. Uma leveza me fez flutuar céu a fora e pude acenar pra ti, lá de cima. Tu continuavas dormindo, enquanto eu, acordada nos teus sonhos, me despedia. Despedi-me de toda a doença que me prendia a ti. Não te odeio mais por não ser meu: te amo ainda mais por ser livre.

Sou covarde, desatenta, indecisa, carente. Das minhas necessidades vãs é do que mais me arrependo. Sufoco quem não pode me oferecer oxigênio com meus tufões incessantes. Assusto os outros. Mas verdadeiramente, não sei como devo ser. Deixarei de ser eu e me acorrentarei para não mais surpreender? Serei eu e deixarei que os outros se surpreendam por não usar correntes? Como vejo, o mundo está errado. Ou estou errada. Mas há algo fora do lugar, algo que não se encaixa. Um quebra-cabeça incompleto. Faltam-me peças para compreender. Quero me doar, mas quem quer receber? A receptividade extinguiu-se. É joia rara nesse planeta repleto de rochedos. A imutabilidade é comum. Que fazer com o fogo que queima meus órgãos e minha imaginação? Tento converter. Nunca dá certo. Nunca escrevo, desenho, canto, corro ou faço qualquer outra coisa forte o suficiente. Escondo. Assassino meus mundos, esqueço das minhas ideias. Elas se renovam todos os dias, mas não lembro mais sobre o que pensava ontem.

Desapego. Como faço pra desapegar? Acho difícil, confuso, injusto. Como faço pra não mais prender a liberdade nas grades do meu egoísmo? Deixo que me deixem. Sou passiva, não movo um músculo. As pessoas entram e saem da minha vida com uma facilidade enorme: Ao entrar, encontram-me com braços abertos. Ao sair, encontram-me inerte, com o rabo entre as pernas. Como faço pra ser egoísta sem ofender a liberdade do outro? Como faço pra deixar de ser louca, pra deixar de ser intensa, pra deixar de ser incompreendida? Não faço. E esse é o segredo e meu maior arrependimento. Não faço. Deixo que os outros façam por eles. Já tenho minhas próprias escolhas pra fazer todos os dias. Não faço. Toco na alma dos outros sem pudor, fujo do espaço do livre arbítrio com pavor. Quero que lutem por mim, mas não luto por ninguém. O não-fazer é o que termina comigo. O não-fazer é o que mais queima dentro de mim.

Já gritei demais, já briguei demais. Sei que amanhã vou acordar e dar porrada em todo mundo de novo, mas hoje, só hoje, quero ser passiva. Vai. Vai e leva meus sentimentos, minhas neuroses. Só por hoje, quero experimentar a sensação do sossego impessoal. Não me sinto incomodada ou ofendida. Não me sinto mal colocada. Não me sinto nada. Converti minha intensidade em receptividade. Vem mundo, vem e invade meu corpo com a tua poluição. Não quero lutar contra hoje, não quero ir contra a maré. Só quero ficar parada e boiar até onde a água quiser me levar. Deixa que o vento me leva, que o chão me atraia. Finalmente entendi a gravidade: Tudo cai. Então vou me deixar cair.

Então, ela vestiu a armadura e se jogou na boca do vulcão, achando que assim poderia se transformar em lava. E não é que deu certo?

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Lucíola

É incrível o que um lápis de olho, uma câmera fotográfica e um cabelo bem arrumado podem causar na vida de uma mulher. Lá estava eu, no alto da minha vida, trancada no banheiro tentando tirar alguma foto que prestasse. Daí eu olhava para o lado, por que preciso parecer descontraída. Daí eu olhava para baixo, por que precisava parecer triste. Daí eu abria a boca e estreitava os olhos, por que precisava parecer assustada. Daí eu sorria, bem forçada, pra parecer fotogênica e feliz na minha foto de perfil. Opa, meu cabelo ficou muito pro lado... Quem sabe se eu mexer um pouco aqui, um pouco ali... voa lá! Estou linda. Até eu me pegaria. Fala sério, olha que perfeição de sorriso. Definitivamente uma mulher bem sucedida. Olha a minha covinha, que charme. Olha o brilho nos olhos, como se eu dissesse que sou animada e intrigante demais. Essa vai pra minha instante, essa vai pra minha mãe e essas outras vão pro facebook. É, sou linda. Morram com isso.

Então vou lá, toda confiante passar as benditas fotos para o computador. Hum... A luz não ficou como eu imaginava que ficaria. Hum... Será que o photoshop cobre esse cravo no meio da minha testa? E o que eu faço com aquela ruga esquisita na ponta dos olhos? Oh droga. Fotos horríveis, sou horrorosa. Apago uma, duas, três, todas fotos. Não sou fotogênica. Odeio todas as outras mulheres que saem bem nas fotos. Minha inveja mal contida quase explode em comentários sarcásticos. Mas deixa... Deixa... Já que não sou bonita o suficiente, vou tentar ser inteligente o suficiente. Tipo aquela lenda de que garotas feias são inteligentes. Pego meu livro aposentado da Jane Austen e tento me concentrar. Leio uma, duas, três paginas e paro. Que merda de livro é esse? Jane Austen era chata demais, mais chata do que eu. E ler sobre a vida pacata dos seus personagens me deprime. Meu Deus, não gosto mais de ler! Odeio todas as mulheres fotogênicas e inteligentes. Todas elas que vão para o inferno, sério.

O que acontece quando a gente não tem os pré-requisitos pra ser aceito? Não sirvo pra ser bonita, não sirvo pra ser inteligente. Pra que eu sirvo então? Vou acabar virando prostituta. Isso aí! Prostituta. Prostituta não precisa ser inteligente, nem bonita. Se tu tem vagina, tu tá dentro. Dá pra imaginar futuro mais promissor do que isso? E vou usar ainda o nome de Lucíola. É, algo bem clássico, pra intrigar a mente dos meus clientes. Vai que alguém entende de literatura e se interesse por mim bem rápido? Tomei a decisão mais importante da minha vida! Peguei minha melhor calcinha preta, meu melhor sutiã rosa e fui pra rua. Fiquei lá, parada na frente de casa, observando o movimento. Que noite linda aquela. Eram sete horas e o sol já tinha sumido, deixando uma estrela bem grande no horizonte. Inspirei fundo aquele ar frio, abri os braços e sorri. Sorri pra minha nova vida que ia ser cheia de sucesso e lucro e beleza e inteligência. Caminhei não sei por quanto tempo só de calcinha e sutiã por aquele bairro cheio de crianças, cachorros e postes. As mulheres me olhavam com desprezo e os homens pareciam tentados. Alguns assoviavam, outros apontavam o dedo e cutucavam que estivesse por perto. Eu era a maluca de roupa intima. E eu nem tinha certeza se isso deveria parecer sexy ou não. Só sei que, lá pelo meio da décima quadra que eu atravessava, tinha um carro da RBS parado. Desceu uma moça loira, muito bem arrumada, com um microfone na mão e veio falar comigo. Perguntou meu nome, minha idade, meu signo. Sorria pra mim. Parecia uma boneca, de tão bonita. Parecia uma empresária, de tão inteligente.

- E você está protestando contra o que? - perguntava ela, não muito interessada, mas definitivamente apta a saber de tudo. A típica profissional comprada pelo serviço. E eu percebi. Percebi que ela era exatamente o tipo de mulher que eu odiava. Essas mulheres que tem mania de ser perfeita o tempo todo. Que coisa irritante. Custava ela ter uma espinhazinha? Custava ela ter se dado mal na vida uma vez se quer? Eu nem estava protestando contra porra nenhuma. Só queria ganhar algum dinheiro vendendo meu corpo por aí, só pra testar a minha capacidade de sedução ou reviver a minha segurança. Mas daí me aparece uma Barbie com dois metros de altura só pra me fazer lembrar de toda minha inutilidade. Quer saber? Quero mais é protestar mesmo, já que nem pra puta eu sirvo.

- Quer saber contra o que eu protesto? – Falei, já me irritando pra caramba com essa merda de vida. Ela queria uma opinião? Ela queria uma matéria pro jornalzinho de merda dela? Ela queria um salariozinho supérfluo pra sustentar a maquiagem importada? Então tá. Eu ia dar isso pra ela. Mas ia dar bem dado. E ela que aguentasse o tranco.

- Sim, quero. Pode nos contar? – Ela disse, calmamente, inclinando-se para a esquerda, de forma que seu rosto foi focalizado pelo câmera. E foi aí que meu sangue ferveu. Não é que a cadela ficava bem na câmera mesmo?

- Eu protesto contra vadias babacas que nem tu que ficam me atormentando o dia inteiro!

- O quê? – disse ela, parecendo assustada.

E então eu deixei rolar. Veio toda a minha revolta e dor e inveja e raiva à tona. Um vômito bem ácido sobre tudo que eu odiava. E seria bom que todo mundo me ouvisse mesmo, por que eu queria toda a atenção do mundo naquela hora e ninguém ia me tirar isso!

- É, quer saber? Eu odeio todas essas bonequinhas perfeitinhas que estão sendo vendidas em qualquer esquina.

- Corta, Adenilson, corta!

Segurei a moça pelo braço e joguei meu sapato verde na cabeça do câmera, tamanha era a minha raiva.

- Não corta porra nenhuma, por que eu não terminei ainda!

E o Adenilson, aquele cara de moicano que estava de olhos arregalados e uma camiseta linda da Dior, saiu correndo. E eu fui atrás dele. Peguei o moleque pelo braço e fiz ele voltar comigo até a câmera, só por que eu tinha certeza que aquela merda toda era ao vivo.

- Sabe qual o meu problema, Adenilson? Sabe?

E ele revirou a cabeça dizendo que não.

- É que eu to farta de gentinha que nem tu e ela – apontei com o dedo para o rosto pasmo da loira. – É, sabe? Gentinha de cabeça oca que nem vocês que me deixa maluca de pedra. A perfeição ainda vai acabar comigo, Adenilson. Sério, a perfeição vai acabar comigo. Sabe como é triste não ser bonita hoje em dia? Ou não gostar de ler? Como que eu vou sustentar os filhos que eu ainda nem tenho? Tá foda Adenilson, tá foda. Só que só os fudidos que nem eu percebem isso. Essa piranha aí do teu lado nem surta que nem eu, por que ela é perfeita e não precisa reclamar das imperfeições. E eu odeio, eu odeio isso tudo. Eu...

E foi aí que a loira me acertou em cheio com um pau no meio da cabeça.

Dá pra acreditar que aquela vadia tinha força pra me derrubar? É, ela derrubou. Só me lembro da minha foto no jornal do dia seguinte, com meio peito pra fora e a boca bem aberta. Não é que eu era fotogênica, afinal? E eles diziam lá na reportagem que eu era o ídolo jovem do momento. Outros diziam que eu tinha virado a revolucionaria modernista a favor do feminismo do século XXI. Não entendi porra nenhuma do que eles queriam dizer com tudo, mas sei que no final da reportagem me senti mais importante e útil do que nunca. Não é que minha imperfeição e maluquice tinha sido mais famosa do que a bunda da loira na playboy? Ah, eu me senti. Eu brilhava. Eu e meu lindo peito esquerdo naquela foto do jornal. E olha que nem foi de proposito nem nada, mas fiz questão de pôr no meu facebook. E no pensador, tá cheio de frases minhas. Eu virei a onda do momento. Dá pra acreditar? Tô até pensando em me candidatar pra entrar na Academia Brasileira de Letras, bem ao estilo Bruna Surfistinha. Vai que eu viro referência de estudo?

Vento no litoral

Acordei de ressaca às seis horas de domingo. O sol me incomodando, entrava casa a dentro pelas frestas da janela. Que que tinha acontecido na noite anterior? Lembro de umas garrafas de Vodka, um gole de Ice, uma batida de morango bem doce pra disfarçar o azedo da semana. Lembro de uma tontura, uma noite mal dormida. O gosto ruim da minha saliva, que entregava a falta de higiene bucal. E que saudade! Que saudade de quando meus sábados e domingos e sextas eram passadas de forma mais suave. Textos que brindavam a contemplação do teu sorriso. Músicas que embalavam nossas lembranças conturbadas. Em outra época, eu acordaria às onze de domingo com vontade de correr pro meio dos teus braços. Em outra época, eu estaria com o peito inflado de felicidade e os sonhos transbordando pelos ouvidos.

Eu te dizia que a vida era bonita e a gente não tinha que desperdiçar nada. Tu me dizias que as coisas eram do jeito que tinham de ser. Eu queria ser criança pra sempre. Tu dizias que tínhamos de crescer. E a gente ficava ali. Não tinha nada disso. Não tinha esse gosto ruim, não tinha essa enxaqueca ou esse sono pesado. Era tudo muito leve. E daí o Renato Russo me lembrava que é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã, e era isso que eu te dizia sem o menor pudor. E tu ainda me ouvias, sem o menor medo. E a gente amava, por que sabia que não haveria um amanhã. Mas... Mas olha só, as coisas mudaram. Tu vês? Aqui estou eu, jogada no que me restou da minha diversão fugaz. Se me diverti? Honestamente, não sei. Mas o tempo passou bem rápido. E amanhã tem mais. Por que a gente tem mais é que viver como se não houvesse o amanha, mas eu gosto de esperar pelo que vai vir, depois de tudo isso. Tenho curiosidade demais. Que será que acontece depois dos créditos finais?

Lembra do barulho que a gente fazia? Eu não. Só lembro de cenas sem áudio. Como era mesmo a tua voz? Como era mesmo a tua risada? Algo entre o belo e o detestável. E meu amor por isso cobria tudo como um véu fino. Daí o véu se partiu e restou o real. Acho que o real dói ainda... E o tempo passou, levando o véu, a lembrança, o áudio e tudo embora. Espera, acho que eu sei o que acontece quando acaba uma história. Outra se inicia. Isso não é motivador? Me motiva, ás vezes. É difícil de ficar feliz com essa solução quando o Renato vem e me diz que "existe algo que diz que a vida continua e se entregar é uma bobagem já que você não esta aqui e eu devo cuidar de mim. Lembra que o plano era ficarmos bem?" É isso. É isso que o Renato Russo vem e me diz, como se soubesse o que fala. Cara desgraçado esse que fica se metendo na minha vida. Ele e os cavalos marinhos que ficam girando na minha cabeça noite e dia.

E ali eu continuo, naquele colchão duro e a coluna doendo. Não sei por que escrevo essas coisas, mas é que ouvir legião sempre me deixa com uma vontade louca de escrever. Sei lá, juro que já tinha esquecido, mas por algum motivo, vem uma música e me faz lembrar. Daí eu fico triste e a saudade me embala como uma mãe a zelar pelo sono do filho. O toque suave da lembrança faz todo o grotesco do mundo parecer insignificante e isso serve pra acalmar meus nervos. Olha, tem um sorriso que brotou aqui contrastando com a lágrima que não caiu. Podia até ser poético, não fosse pela nossa insensibilidade. Tu vês nexo nesse texto? Eu não vejo. Desculpa, deve ser a dor de cabeça. É que a música me deixou mesmo com muita vontade de escrever. Tô sem tempo, vou ir tomar banho. Fica aí com o Renato pensando no que eu pensei. Mas fica bem. Tá?

Lição

O que eu tenho não me pertence, embora faça parte de mim. Tudo o que sou me foi um dia emprestado pelo Criador para que eu possa dividir com aqueles que entram na minha vida. Ninguém cruza nosso caminho por acaso e nós não entramos na vida de alguém sem nenhuma razão. Há muito o que dar e o que receber; há muito o que aprender, com experiências boas ou negativas. Tente ver as coisas negativas que acontecem com você como algo que aconteceu por uma razão precisa.
E não se lamente pelo ocorrido; além de não servir de nada reclamar, isso vai te vendar os olhos, dificultando assim, continuar seu caminho. Quando não conseguimos tirar da cabeça que alguém nos feriu, estamos somente reavivando a ferida, tornando-a muitas vezes bem maior do que era no início. Nem sempre as pessoas nos ferem voluntariamente. Muitas vezes somos nós que nos sentimos feridos e a pessoa nem mesmo percebeu; e nos sentimos decepcionados porque aquela pessoa não correspondeu às nossas expectativas. E sabemos lá quais eram as nossas expectativas? Decepcionamo-nos e decepcionamos outras pessoas também. Mas, claro, é bem mais fácil pensar nas coisas que nos atingem. Quando alguém te disser que te magoou sem intenção, acredite nela! Vai te fazer bem. Assim, talvez, ela poderá entender quando você, sinceramente, disser que "foi sem querer". Dê de você mesmo o quanto puder! Sabe, quando você se for, a única coisa que vai deixar é a lembrança do que fez aqui. Seja bom, tente dar sempre o primeiro passo para a reconciliação, nunca negue uma ajuda ao seu alcance, perdoe e dê de você mesmo. Seja uma bênção a todos que o cercam! Deus não vem em pessoa para abençoar, Ele usa os que estão aqui dispostos a cumprir essa missão. Todos nós podemos ser Anjos. A eternidade está em nossas mãos. Viva de maneira honrada, para que quando envelhecer, você possa falar só coisas boas do passado e sentir assim, prazer uma segunda vez ... e ter a certeza de que quando você se for, muito de você ainda fique naqueles que tiveram a boa ventura de te encontrar.

- Chico Xavier

terça-feira, 15 de maio de 2012

A Quase Utopia

Eles discutem sobre a orla do guaíba, mas eu não consigo prestar atenção. Tem um nó de lã, uma bola de pêlo presa na minha garganta. Tá difícil de engolir, tá difícil de respirar, tá difícil pensar. Acordei hoje às cinco da manhã com um dragão cuspindo dentro do meu estômago, arranhando meu útero. Tem cólica, tem dor de cabeça, tem o azedo do álcool do final de semana e tem a espera. A longa e interminável espera. E então, a espera vai acabar. E se eu te ver e desmaiar? E se eu sair correndo e me esconder atrás de uma árvore qualquer, só pra esconder o meu medo de te tocar e perceber que tu é real? E se eu rolar pelo chão ou passar desapercebida só pra te admirar de longe e poder concluir, com certo conformismo, que no fundo nós nunca daríamos certo?

Tá difícil. Criar coragem e encostar no que é real me dá medo. Tá difícil de aceitar a realidade batendo na minha cara. Ou abraçando o meu corpo que treme, o que no final vai resultar na mesma violência contra a minha falsidade ideológica. Esperei tanto pra quê? Pra admitir a minha covardia e deixar minha insegurança tomar conta? Pra querer voltar a ser criança e ter coragem de subir em todas as árvores mais altas só pra provar a minha valentia? Pra querer me esconder embaixo do cobertor e dormir eternamente, enquanto alguém lá fora espera que eu tome vergonha na cara e viva corajosamente? Queria ser como o super-homem que é de aço e bonitão e não precisa ter medo das coisas. Mas acho que eu tô presa na minha insignificância de Clark Kent. Eu e meus disfarces. Eu e minhas mentiras. Eu e esse óculos enorme que cobre os meus olhos esbugalhados de medo.

Como é que se faz quando a gente quer sair correndo pra debaixo da saia da mãe e nunca mais olhar o mundo de novo? E se eu quisesse me usar como um personagem, eu seria a menininha de oito anos que se esconde no porão, com medo da luz. A iluminação tem o perigo de me pôr em evidência e por isso foi tão fácil superar o medo de escuro: Estar em evidência é assustador demais. A claridade vai acabar matando as minhas crenças e isso é perigoso. O escuro me dá o privilégio de acreditar em tudo que eu quiser de forma cega e isso é bom. O mistério de tudo que eu nunca vou entender me basta e é exatamente essa certeza que me mantém em pé. Minto: é exatamente essa certeza que eu quero que me mantenha em pé. Mas a força que me faz ficar firme todos os dias de nada tem a ver com luz ou escuro. Acho que é mais uma questão de teimosia.

Não consigo verdadeiramente entender meu medo do claro, do real, do que é tocável. E por isso que, irracionalmente, sinto medo de ti. Se eu encostar, vai doer? Se eu sentir, vai doer? Não é nada pessoal, só que eu já tô tão acostumada com essa historia de dor que acho estranho quando alguém me oferece certa parcela de segurança. Tem certeza que eu não vou quebrar? Ufa! Achei que tu ia dizer que eu ia durar pra sempre. E que bom que tu quer juntar meus pedaços se isso acontecer. Prometo que vou me lembrar disso, mais tarde, quando tudo doer e tudo quebrar. Ah, espera. Acho que te vi... Não, não me olha. É agora que eu saio de cena e deixo a moça com o cabelo esvoaçante correr pela rua principal. Ela é mais fotogênica, segura e corajosa do que eu. Eu sou a figurante que te diz quando tem que aparecer ou não. Ei, espera. Não, não me abraça. Não me diz que sentiu minha falta. Não me diz que ta feliz em me ver. Não, não me ofereça amor ou carinho, se não eu posso querer virar a personagem principal. E eu nem tenho a pele perfeita que uma personagem principal deveria ter.

Iiii, ferrou! Olha só pra mim, ali no close da câmera, tá vendo? É o meu nariz torto que dá certo charme à minha timidez. Olha ali teu sorriso debochando contrastando com a minha neurose. Não é que a gente combina? A garota tapada e o cara idiota. Que clichê meu Deus, que clichê. E ainda tem nego que diz que isso é uma história bonita. Ah não... É agora que a gente se beija. Mas me beija logo, antes que eu saia correndo daqui, com toda a minha insegurança que tem medo do real. Tu é real demais, droga. É um avalanche de realidade acertando em cheio o meu mundo de imaginações. E olha que chato, a gente não saiu correndo em câmera lenta com os braços abertos. Não tocou alguma musica do James Blunt no fundo. E meu cabelo nem voou pra esquerda. Foi algo mais complexo, mais real do que isso.

Que que eu faço quando o medo de te tocar é substituído pelo medo de não te ver nunca mais? Iiii, mudou a cena. Acho que eu apertei naquele botão idiota que pula de uma cena pra outra. Olha, lá tá a menina do nariz torto escrevendo sobre a cena anterior. E ela ri do medo, da neurose, da insegurança, da insônia e da dor de barriga. Ela ri do som da voz dele, do tropeço que ela deu quando o viu. Ela ri de saudade, de felicidade, de vergonha. E se pergunta, pela milésima vez, por que logo ela, dentre todas as mulheres que são românticas incorrigíveis, tinha que estar escrevendo sobre isso com uma certa satisfação dentro do peito. Por que, logo ela, com toda a revolta anticapitalista, antiromântica, anticarnívora, antifutilidades, antibaratas e antimeio-mundo, tinha de estar bancando a menininha de doze anos que descobre a magia da vida só por que sente amor? E se sente patética, de novo. Patética, insegura e com medo. Medo que tudo tenha sido real. Por que, no fundo, lá dentro do mundo louco do subconsciente dela, eles se viram e ficaram juntos e comemoraram e riram e subiram pelo arco-íris até o infinito. Foi um sonho. Foi real. Não importa. Só importa que realmente foi alguma coisa. E isso, por si só, já faz todo o resto valer a pena.


 

quarta-feira, 9 de maio de 2012

São elas!

São elas. Todas elas e seus vestidinhos engomados, floridos, cuidados. São elas. O câncer da revolução feminista. A vergonha de anos de luta. São elas. Minhas amiguinhas que se submetem às regras da sociedade sobre o que deve ou não ser feito.

- Então, vamos sair?

- Não posso.

- Por que?

- Meu namorado não deixa.

- Minha filha, eu to pouco cagando pro teu namorado. Eu to pouco me lixando pra o que mente pequena e imatura dele fica pensando sobre você. Voce é melhor do que isso. Nós, somos melhores do que isso.

- Não, não. É que eu gosto de ser submissa. É por amor.

- Amor?

- Amor não condena. Amor não prende. Amor não desconfia. O amor, minha estupida amiga, liberta. Te liberta de todo o preconceito, de todas as correntes, de todas as opiniões. Não são as probabilidades que demonstram quem tu é. São as escolhas. Então não me vem com esse papo de que o amor prende, por que não prende. E submissão é a disseminação de anos e anos de uma cultura machista que te faz acreditar a se submeter ao desejo masculino. Vem, vamo curtir a noite comigo.

- Não, não. É por amor sim. Eu o amo tanto que não faço nada da minha vida só por ele.

Me acalmei, desliguei o celular na cara dela e fui bater em alguma coisa. Por que bater em amigas idiotas, não funciona. O cara faz uma lavagem cerebral tão grande, que elas nem se importam com nada. De que adianta? Eu nem queria mesmo. Tenho mais amigos, tenho mais opções. Mas que pena que ela não pode. Que pena que ela ta presa. Eu fico triste por ela, não por mim. Enquanto ela ta algemada ao gostosão lá, eu tô aqui, cada vez mais distante de alguém que seria pra sempre. O pra sempre é isso? É ter chá na casa dela as 4 da tarde de algum sábado, por que é o único dia em que o querido estava ocupado demais pra sugar a vida dela? É ver os planos eternos de amigas "a la sex and the city" se dissipando no universo, por que um idiota qualquer roubou a liberdade e o cérebro dela?

Sei lá, acho que o pior é ter que ouvir que isso tudo é por amor. Amor não é isso não gente. Eu não sou perita nem nada, mas não precisa ser um gênio pra saber que amor não prende. Qual o problema de vocês? Não, qual o problema delas? Foi por isso então, que as minhas heroínas queimaram sutiãs na praça? Sério, que chato. São elas. Minhas amigas que se tornaram bonecas de porcelana, enfeitando o mundo errado. São elas. A razão do meu desprezo. Tô de mente fechada mesmo, pra qualquer espécie de submissão. E não aceito opiniões diversas. Santa viseira que me obriga a olhar pra frente!

- Alô?

- Oi, é a Sara. Tu tá livre na sexta?

- Tô sim. O Joãozinho foi pra Floripa com uns amigos. Quer vir ver algum filme?

- Não, vamos sair.

- Não dá. É que eu respeito muito ele.

Desligo, de novo.

Tô sem a mínima tolerância pra gente submissa.

 

Carpe Diem

Não, espera. Fica mais um pouco. Eu sei que te mandei embora ontem, mas é que hoje eu te quero tanto que não sei como te expulsar. Então fica. Fica? Eu não tenho as respostas que tu precisa, eu não sei dar conselhos que te construam, eu não vou estar aqui pra sempre, então fica só mais um pouco, enquanto eu posso ficar também.

Se é errado? Se tá confuso? Se ninguém entende? É, até pode ser. Tá errado, tá confuso e ninguém entende. Então fica mais um pouco e vem errar comigo, confundir comigo, se perder comigo. A gente pode encher de cor essa parede cinza do oco que nos preenche. A gente pode deixar de estar ocupado e se perder na desocupação do errado. Mas não me deixa sozinha, por que errar sozinho é chato. Vamo recomeçar, de outro jeito. Informal mesmo, maluco mesmo. Dane-se as promessas eternas de te odiar, de te ignorar, de te repugnar. Não deu certo e eu tô aqui, aceitando minha derrota. Sem orgulho, sem mágoa. Maldita hora em que deixei de declarar guerra e resolvi pedir pela tua felicidade. Maldita hora em que a raiva se transformou em pensamento positivo. Não é que acabou te atraindo? Então tá, vou entrar nesse jogo também.

Quer saber? Eu não vou mesmo ficar aqui pra sempre. Teus filhos, não vão ser os meus. Eu não vou cozinhar a tua comida preferida. E o teu álbum de bodas de 50 anos não vai ter fotos minhas. Mas te ofereço o agora, o incerto, o infinito. Te ofereço conversas intermináveis, piadas internas, almas que se entendem. Te ofereço a liberdade de escolha, a liberdade do amor, a liberdade da dor. Quer? Eu sei, sei que tem um grande risco. Enquanto houver sentimento, haverá dor. Enquanto houver desejo, haverá frustração. Mas é por isso que eu quero te congelar no hoje e esquecer do que pode vir. Deixa que a gente sofre depois. Deixa que o mundo caia amanhã. Carpe diem, meu amor. Quer? Aproveita. Aproveita que não vai ser todo dia que eu vou te oferecer isso.

Fica mais um pouco, sem complicações. Joga o medo e a razão no lixo. Só fica. Fica? Eu nem deveria te pedir isso. Eu nem deveria querer isso. Mas eu quero. E, honestamente? Cansei. Cansei de inventar amizades, saídas, ocupações, sonhos e sorrisos. Cansei de todo esse teatro pra esquecer. Vou deixar fluir. Já que matar não deu certo, já que o infinito me sabota a cada tentativa, deixa que exploda então. Deixa que saia, que evapore. Quem sabe gastando, não passa? Como uma máquina a vapor, a todo vapor. Forte, clara, potente, irredutível. Deixa. Deixa que flua mesmo. É mais ou menos aquela história do "se não pode vencê-lo, junte-se a ele". Me juntei. Tô aqui. Ta vendo? Tô aqui. Deixa ser agora. Deixa acontecer. Incerto, louco, confuso, dolorido e sem sentido. Mas deixa. Quem sabe assim passa?

Ei, para de me olhar assim. Mas te decide logo, que daqui a pouco quem vai mudar de ideia sou eu. Quer?

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Deixa eu te mostrar uma coisa que li hoje...


"É bem isso, bem assim. Sei que a única verdade é essa, viver essa verdade ou não, só depende de mim. Eu decidi viver o que é real e reciproco. Aprendi com muita dor que posso sim, seguir em frente, ser feliz, mesmo que quem eu amo está longe de mim, e que, as vezes, isso não vai mudar, não tem que mudar. Todo amor do mundo não é suficiente, quando não existe cumplicidade, harmonia, amizade, carinho, respeito, consideração, de ambas as partes. Vá por mim, se tudo nesse mundo é uma desculpa para te magoar, desculpe, já não é mais amor, ou, talvez jamais tenho sido, e esse é o problema.
E se isso tem acontecido com você, por mais que doa, desapegue, infelizmente, pessoas são complicadas, e tendem a querer, amar, valorizar, só o que não tem, ou não pode ter.
Provavelmente quando ela, ele, perceber que te perdeu, para sempre, entenderá o quanto você era especial e que ninguém, jamais, a amará, e, se doará a ela como você.
Pode até ser que vocês se reencontrem, mas nada mais será igual. As dores deixadas pelo desprezo, egoísmo, desamor, jamais será apagada, infelizmente, o amor não apaga as marcas que as feridas deixaram. Ou, quem sabe, você estará bem, com alguém legal, que te respeita, a ame, mas a pessoa te dá carinho, e está lá sempre que você precisa, talvez você nem o ame, mas goste dela, te dá segurança e tem sua gratidão, então, já não haverá mais tempo para vocês. Ou, você já não será mais aquele poço de fé, esperança, alegria, pureza e paixão que ele, ou ela, conheceu. Sabe aquela frase: "Uma vez magoada, duas vezes mais fria". Então, as vezes é assim que acontece, e quantas vezes, sem pestanejar, essa pessoa não te magoou.
Enfim, é complicado, o mais correto a fazer é seguir em frente, deixar o que passou para trás, recomeçar e aceitar as perdas, os fracassos.
Se você fez tudo que pode, ficará um sentimento de tranquilidade, as vezes com sabor amargo de uma saudade sem tamanho que vem e invade quando você menos espera, e depois, passa. E onde existiu amor, amor de verdade, ainda existirá, sempre existirá, amor de verdade não morre nunca, é como tentar viver sem respirar, depois que o amor nasce, ou você vive e sobrevive com ele, apesar dele, ou, não se vive.
E se você deixou escapar a melhor coisa que poderia ter lhe acontecido, isso que muita gente jamais terá chance de conhecer, essa coisa divina que acontece só uma vez na vida, isso que você regeitou, ficará o sentimento de culpa, que poderá ser maquiada por um prazer, 2 prazeres, 1 paixão, milhares de paixões, dinheiro, fama, prestigio, reconhecimento, mais, nada será suficiente para apagar essa sensação de perda.
A vida é feita de escolhas, faça as suas, e aceite as consequências Lembre-se que você não pode mudar o passado, o que está feito, está feito. Mas você pode fazer diferente, pode aprender com os erros, pode ensinar com eles também, e independentemente do que aconteceu, de quem errou, passou.
Siga em frente, ame quem te ama, esteja perto de quem quer sua presença, não seja amargo, grosseira, egoísta e cruel. Ninguém merece ser maltratado, ninguém tem culpa dos seus problemas. Quando magoar alguém, aprenda a pedir perdão, e não esqueça de perdoar também. Todos estamos sujeitos a falhas, e será assim sempre.
Tenha fé, pare um pouco, corra se quiser fugir, faça o que quiser, seja sempre você, quem te ama, te fará e tratará bem, amor e maus tratos não combinam, quem te fere não te ama, quem não te ama não te merece.
Sonhe. ACORDE. E seja feliz, sempre!"


- Laura Souza.

domingo, 6 de maio de 2012

Simplicidade

Vejo essas pessoas discursando sobre a vida, sobre as alegrias fáceis, sobre o cabelo despenteado, sobre como beijar é bom. Vejo essas pessoas agindo conforme seu coração manda, sem se prender a teorias, textos, biografias, críticas, ódios ou qualquer atividade intelectual meramente instigante.

Vou nas festas. Vejo todo mundo dançando, cantando músicas simples, acordes simples. A batida simples, a letras simples. Nada de um Kurt Cobain raivoso, nada de uma Joan Jett Revoltada. Apenas a simplicidade do amor, a simplicidade da dor, a simplicidade da bunda empinada. Por que eu não me junto a eles e empino a minha bunda também? Por que eu não me junto a eles e canto a musica simples também?

E me pergunto: Onde está o meu erro?

Será que eu me prendo demais a essa bolha de individualidade que me afasta da alegria simples? Será que sou eu que não consigo enxergar a felicidade que explode da simplicidade forçada? Será que sou eu a errada?

Simplicidade. Taí algo que eu preciso aprender. Não é mais uma palavra qualquer, é um objetivo. Ser simples. Sem complicações, sem revoltas, sem pensar muito. Apenas caminhar pelo longo e calmo corredor das coisas banais. Eu, você e todo mundo que quiser vir também. Então decido por isso. Abro uma aba, baixo algum reagge. Por que na verdade, eu prefiro um som do Armandinho do que aquela batida simples da Waleska Popozuda. Nada contra ela. A menina deve usar o talento da maneira que bem lhe convir. Eu ainda é que não consegui enxergar a crítica que ela faz à sociedade com aquelas letras de cunho sexual.

A verdade é que eu admiro todas as pessoas simples. Todo mundo que se deixa embalar pelo som da ignorância. Eu queria ser ignorante também. Admiro todo mundo que dorme à noite sem nenhuma preocupação que fuja do círculo da sua própria individualidade. Admiro essa gente que não se importa com o pré-sal, com a vinda do neoliberalismo, com o término precoce da água, com o desmatamento em massa da Amazônia, com o armamento nuclear dos Estados unidos, com a guerra das religiões, com o mistério da manipulação ou com qualquer outra especulação que me tire o sono e que não faça o mínimo sentido. Por que pessoas simples só querem ter uma boa janta, assistir a um bom futebol e ser recompensado com uma boa noite de sono. Pessoas simples só querem se adequar ao que veem na televisão ou nas revistas. Pessoas simples não questionam porra nenhuma. Não se importam com as regras gramaticais, não se lembram das fórmulas físicas. Por que, na verdade, ninguém precisa se importar mesmo. Pessoas simples ficam felizes com a vinda da Copa para o Brasil, por que elas não se importam em pesar os prós e contras. Deixa que aquela gente chata de Brasília faça isso por elas. Mas o pior, é que a gente de Brasília é tão simples, que esquece de ver muitas complicações e deixa tudo ser como deve ser. O Brasil em si, é um espelho de simplicidade.

Então, sem pensar mais, abro meu porta jóias. Um bando de bijouteria que nunca mais vou usar. Dou meus brinquedos, meus livros, minhas revistas, minhas roupas. A teoria do desapego. Originalmente budista. Quase me sinto um Dalai Lama da modernidade, com esse jazz calmo no fundo, com uma sacola enorme com minhas coisas dentro, com um sentimento de alívio. Exorcizei minha vida de toda a tralha que me incomodava. Sai, daqui coisa ruim, sai! Vou ser simples agora, vou ser feliz que nem todo mundo que ve felicidade sem muita dificuldade. Talvez eu até fume uma maconha, pra ver a simplicidade de uma erva natural. Talvez eu até faça uns dreads, pra brindar minha nova vida com um visual que se adeque. Só como o que eu quiser agora. Só tomo o que eu quiser. Sem pensar muito. Pensar deixa a gente doente, sabe? Tipo um vírus. Tu começa a pensar e não consegue parar mais. Daí tu sofre. Por que pensar num mundo em que muita gente não pensa, te torna estranho e solitário. E tu critica tudo muito fácil, por que é muito fácil de criticar coisas erradas. E ninguém entende nada do que tu diz, a não ser aquela minoria de outros excluídos que compõem teu círculo social.

Mas o que exatamente está errado? Aquilo que foge da minha perspectiva banal do que seria o certo? E quem disse que eu estou certa? Chega. Chega de questionamentos vazios. Tô caminhando em rumo à simplicidade, pra ver se lá eu me encontro. Dei meus brinquedos, dei minhas roupas, dei minha implicância com o mundo para alguém que precisa disso mais do que eu. Tô me despindo de coisas que não me convém. Simplicidade. Simplicidade. Simplicidade. Olhem pra mim, amigos. Eu tô correndo atrás das borboletas. E calem a boca do Mário Quintana, por que ele não sabe nada da vida. A gente tem mais é que correr atrás delas mesmo. Prefiro arriscar a perda do que esperar sentada por coisas que talvez não virão.

Simplicidade é isso. É essa satisfação constante, esse deslumbramento fácil. Ser apenas criança não basta, quero ser ignorante. Por que a ignorância é uma benção. O conhecimento te leva pra fogueira. E eu tô cansada de ir pra fogueira.

Peraí, seu guarda, não cheire a minha mão. O Armandinho disse que podia.

Vou fumar uma folha de bananeira, só de brincadeira.