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segunda-feira, 25 de junho de 2012

Últimas Reflexões

E a culpa disso tudo é da minha profundidade. Bem que eu desconfiei: sempre fui desesperada demais pela vida, pelo agora, pelo sempre. O mundo me bate, tentando me mostrar que minha profundidade não vai me levar a lugar nenhum. Quando sou superficial, tudo é bonito. Quando sou intensa, tudo é desastroso. Por que a profundidade faz de mim o monstro que invade a individualidade alheia com o meu sarcasmo.

E faço tudo isso com certa elegância: quase pareço decente. Visto-me com máscaras de silicone que escondem minhas cicatrizes repulsivas. Custa tanto assim ser chata e pacata e sonsa como as pessoas normais? Custa tanto assim desperdiçar meu tempo valioso com uma rotina de costumes tediosos e pensamentos atrofiados?

É, custa. Custa muito caro, se tu quer saber. Não posso trocar experiências, sorrisos, conversas, lágrimas e ódios pela segurança medíocre de uma vida não experimentada. É como estarmos acorrentados no meio do paraíso e sermos nossos próprios carrascos. Qual o sentido de se ter o mundo e não poder digeri-lo inteiro? Qual o sentido de termos unhas e dentes e músculos e sonhos e teimosia e milhões de perspectivas se não os usarmos com toda a força? Sei, sei, sou doida mesmo. Do tipo que gosta de tocar no fogo só pra aproveitar a sensação. Não acho que seja masoquismo, só uma vontade exagerada de sorver tudo que me é oferecido. Também não quero que me entendam, nem que me acolham, nem que me digam que estou certa, não. Eu só quero que respeitem. Ainda que eu não respeite a burrice alheia, quero que respeitem a minha pseudo-sabedoria. Sei lá, sou sábia apenas pra mim, mas possivelmente posso parecer burra aos olhos dos outros, assim como todos os outros são burros aos meus olhos.

É que tudo isso me incomoda bastante, entende? Esse costume, essa cultura, esse comportamento comum, o senso comum, o comodismo em si. Não posso ser eu totalmente, por que a minha totalidade espanta quem não sabe ser por completo. Daí lá vou eu de novo, sair com a mesma roda falsa de amigos, para ir a algum evento falso de amigos e me vestir com um tecido falso para embelezar minha expressão falsa de amiga. Tudo isso faz parte de um velho joguinho de cunho sociológico: Viver em sociedade é a arte da hipocrisia. É típico mesmo exibir sorrisos amarelos e cabelos tingidos. Errado é a gente chegar lá com o nosso pixaim e nosso beiço caído de inconformidade. É a publicidade te forçando a ver brilho e contentamento num território cheio de miséria e inconformidade. Mas tudo bem, a gente passa um corretivo por cima, arruma com o photoshop, esgaça bem a boca e sorri mesmo levando chicotada. Qual é, pessoal, chega de reclamar! Somos o país do futuro. Qual é a tua, mermão? Tem que parecer feliz que nem as moça rica da novela.

Vou ficando tão triste... Queria poder ser eu verdadeiramente, sem que, com isso, assustasse todo mundo. Queria poder gritar bem alto e abraçar bem forte e ligar pra todo mundo o dia inteiro e falar por horas pra tentar matar a saudade que me mata todos os dias. Queria poder contar piadas pra todos os lojistas simpáticos e tirar fotos com as pessoas da limpeza, por que eles sim merecem o meu reconhecimento. Queria que a minha honestidade não ferisse o ego alheio e que a recíproca fosse verdadeira. Por que é tão difícil sermos nós mesmos? Por que é tão difícil darmos uma chance pra todos esses peregrinos? Talvez por que busquemos a tal segurança, a tal da tranquilidade. Saber que temos algo que nos pertença de fato e não que possa sumir a qualquer minuto. Sei que sou egoísta, sei que sou confusa, mas também sei que estou tentando. Ontem acabei pensando sobre as minhas bonecas que estão jogadas no fundo do meu roupeiro, mofando, apodrecendo. E eu as mantenho ali por puro egoísmo. É meu e ninguém toca. É meu e eu prefiro que estrague sem ser usado do que seja dada alguma utilidade para elas longe de mim.

E foi aí que eu soube qual seria meu próximo passo em busca da libertação: Me desfazer. Chega, chega de manter sob os meus olhos aquilo que já não me tem serventia, que já não me pertence. Não posso me dar ao luxo de ser hipócrita, de escrever sobre como quero ser livre enquanto vivo acorrentada a todas as minhas partes mortas. Cansei de ficar me iludindo, de ficar me convencendo. Acho que mentir pra si mesmo dói mais do que quando alguém de fora te mente. Por que se as outras pessoas te traem e são falsas, tudo bem. Tudo bem mesmo, o ser humano é dissimulado por natureza. Mas quando mentimos pra nós mesmos é muito pior: é como se estivéssemos cravando um punhal em nossas próprias costas. E sabemos que nós merecemos mais do que isso, não é? Então chega. Chega de mentiras, pelo menos das auto mentiras. Chega das ilusões, pelo menos das auto ilusões.

Adeus Georgiana, adeus Tita, adeus scooby-doo. Vocês fizeram de mim uma criança mais feliz e chegou a hora de ir encantar outras juventudes. Adeus, adeus brinquedos. Preciso ir antes que me arrependa. Adeus!


 


 

 

quarta-feira, 20 de junho de 2012

I Need to Know – Kris Allen

Te procuro no meio de todos esses faróis. São dezenas de carros entulhados na décima avenida. Onde tu estás? Acordei no meio da noite só pra te procurar. Precisava te dizer... Veja, eu só precisava te dizer que... Bem, acho que tu não quer ouvir. Tudo bem. Não, sério. Tudo bem mesmo. Só... Onde tu estás?

Bati na tua porta com toda a força, te liguei com toda a determinação, te procurei com toda a teimosia, não te achei. Daí lembrei que tinham as escadas de emergência, lembra? A gente costumava subir até o terraço por ali. Lembra? Por favor, diga que lembra. Por favor, me responda. Onde tu estás? Eu só precisava saber... Eu só... Eu só queria te ver.

Estamos bem, certo? Eu e tu. Eu não posso ter vindo até aqui sozinho. Não depois de tudo. É que ontem choveu, daí pensei em ti. Penso em ti quando faz sol também. Penso em ti quando venta e quando sinto o cheiro de cachorro molhado. Sei, parece meio maluco, mas acho que sou maluco mesmo. Não de forma patológica, mas maluco. Onde tu estás? É que agora dói. Dói bastante, sabe. Eu só queria te dizer que... Bem, acho que tu não quer saber. Só aparece por aí, quando quiser. Eu só queria te ouvir.

Andei meio triste e feliz. É estranho te dizer isso, mas é que tu precisa saber. Tua ausência faz de mim triste, tua lembrança faz de mim feliz. É maluco, eu sei. Mas é que sou meio maluco mesmo. E... Eu só... É que eu realmente andei te procurando. Onde tu estás? Onde tu te escondes? Se eu... Onde te encontro? É que eu estou sozinho nesse terraço, contando todos esses faróis e lembrando de como tinha sido o teu treze de julho. Que saudade de te ouvir contando sobre o teu treze de julho.

Te trouxe essa rosa, cuida dela. Sei que não vai cuidar. Sei que não vai me responder. Eu só precisava saber... É que eu... Eu só... Onde tu estás? Eu só queria saber. Eu só queria respostas. Então se tiver restado alguma dose de altruísmo, responda-me: Onde te encontro? Não tenho tomado café, por que tu me dissestes que isso me levaria à taquicardia. Não tenho mais fumado, por que tu me dissestes que isso me levaria ao câncer. Não tenho mais te procurado, por que tu me dissestes que estava bem.

É que... E se eu não estiver bem? O que acontece? Onde tu estás? Responda-me. Eu preciso saber. Oh, eu preciso saber de tantas coisas... Há tanto sobre o que perguntar e, onde tu estás? É que... Acho... Não. Tenho certeza. É que te amo, mas não sei como lidar com isso. Não mais. Conto faróis e marcas de carros. Gravo placas, ataco pessoas. Te vejo em todos os sorrisos, em todas as esquinas vazias, em todos os copos de café com leite. Tu não entende? É que te amo e estou no terraço. É que te amo e preciso de uma escada de emergência pro teu terraço. É que amo esse terraço, o teu terraço. É que amo esses sorrisos, o teu sorriso.

Sabes bem, sou meio maluco. Mas preciso saber. Eu acho que sei, mas ainda preciso saber. Eu só queria saber se... Se onde tu estás, tu está feliz. Vem tomar um café qualquer dia comigo e me falar sobre o teu treze de julho, sobre o teu vinte de junho, sobre o teu quatro de maio. Eu só preciso saber se tu é feliz. Sei que escrevo mal, pareço meio maluco, troco palavras, vírgulas que mal sei usar... Mas é que preciso falar contigo de alguma forma e só escrevendo tu vais entender... É que te amo. Me conta, qualquer dia desses, de como tu ama. Pode ser no meu vinte e nove de junho? Vou te esperar naquela esquina, daí tu aparece e me mostra algum sentido. Não vejo sentido, entende? Então vem me mostrar algum sentido nesse terraço. Eu só preciso saber... Vem. Tá? Tô te esperando.

É que te amo. Vem com aquele vestido xadrez. É que te amo ainda mais naquele vestido xadrez. Pensando bem, vem no vestido florido. É que te amo menos no vestido florido. Trezentos e trinta pares de faróis...

É vinte e nove de junho.

Onde tu estás?


 


 


 


 

Por Enquanto – Legião Urbana

Mudaram as estações, nada mudou...

E eles anunciam nos jornais, na tv, na internet. É hoje! É hoje que o vento fica mais forte!

Mas eu sei que alguma coisa aconteceu, está tudo assim tão diferente...

Então... É hoje que o inverno se inicia. Vem mudança, vem inverno, vem futuro. Destruindo meu passado, enfrentando minhas lembranças.

Lembra quando a gente chegou um dia a acreditar que tudo era pra sempre, sem saber que o pra sempre, sempre acaba?

A noite mais longa e fria do ano... O inverno mais rigoroso da década.

Mesmo com tantos motivos pra deixar tudo como está, nem desistir nem tentar, agora tanto faz.

Gosto dessa mudança de estações, faz parecer com um recomeço, uma segunda chance. Uma forma de mudar o que é preciso, de se despir do que é desnecessário. Vou abraçar o inverno com toda a minha saudade do vento frio, com toda a minha fome por mãos geladas. Estou feliz, percebe? Parece que tudo vai se ajeitando, de certa forma, mesmo que lentamente.

Estamos indo de volta pra casa.

E tudo vai se encaixando, exatamente da forma que tem de ser.

Diário de viagem, Domingo

A sujeira pairava no ar, como uma nova espécie de oxigênio sendo transportada diretamente para os meus pulmões. Lojas e mais lojas acumuladas, empilhadas como caixas de papelão em algum beco com lixo e cheiro ruim. As pessoas pareciam ratos, que, assustados, corriam de um lado para o outro. A massa procurando um combustível para a sua vidinha pacata, uma solução para a síndrome do consumismo compulsório. E, em meio ao barulho exagerado, aos berros exagerados, à fumaça exagerada e á loucura exagerada, estava eu. Olheiras enormes no rosto, calos enormes nos pés. Estava eu, sentada no chão no meio de uma das milhares das galerias principais. Cansada, apavorada e faminta. Estava eu, a encarar um lindo paraguaio que testava o violão cor de rosa na sua mini lojinha de instrumentos musicais. "Coitada", ele deveria pensar. A mendiga jogada na galeria parecia quase interessada em música, quase interessada em algum sopro de vida. Era o glamour do Paraguai abrindo espaço nos meus poros entediados, estuprando minha mente inocente. Foi aí que tive a epifania do mundo. Foi aí que eu vi que toda essa história de desenvolvimento econômico é uma droga sem fim. É o povo brasileiro torrando dinheiro desesperadamente, como uma forma de impor sua existência no plano econômico mundial. É o povo paraguaio tirando o máximo proveito disso. Devo ter gastado o que? Mil dólares? Pouco. Muito pouco para uma brasileira do século XXI, em plena ascensão do Capitalismo, em pleno desenvolvimento nacional.

A miséria gritante dos vendedores ambulantes esmagava a minha ilusão de elegância. Lá estava eu, a desfilar com o nariz empinado, como que pra mostrar minha nacionalidade fortuita, minha sorte de ter nascido no maior país da América Latina. E lá estavam eles, os vendedores, as crianças e os espertinhos, todos eles a lapidar meus conceitos pré formulados de desenvolvimento, todos eles a abrir meus olhos que estavam lacrados pela ignorância. Fui arrogante, caminhei com o peito empinado. E na minha arrogância, fui enganada. A minha esperteza não foi pária para a experiência de quem me vendia por preços baixos, mas ainda assim, altos. Lá estava eu a gastar meu dinheiro, a me entregar de bandeja para as garras do consumo inútil. Descontrolada, afoguei meus problemas nas notas de dólares. Desolada, escondi meus medos no cartão de crédito. O problema é que me ocorreu uma espécie de adrenalina desconhecida. Como uma descarga elétrica sendo constantemente estimulada dentro dos meus nervos. Foi o tal do sopro de vida. Me movia, com as pernas moles, pela poluição urbana que me envolvia na falsa esperança do salvamento. Caí no abismo do capitalismo. Logo eu, que o abomino tanto. Era eu a estrelar minha própria propaganda chique, minha própria imagem da consumista moderna e bem sucedida. Era a manipulação comercial sendo finalmente ingerida pelos meus órgãos. Que vergonha! No que me transformei? Era eu no melhor resultado sujo que empreendedorismo jamais poderia sonhar. Era eu sendo comprada e seduzida e abduzida e enforcada pelos meus próprios desejos consumistas. O abismo que se abria em baixo dos meus pés, sugando meu bom-senso e inebriando a minha recusa.

E então, algo aconteceu. Eis que uma voz ao fundo, antes ignorada, começou a ganhar mais força. A voz que me dizia para parar, pensar e analisar. A voz que me fez sentar no chão sujo do meio da galeria e respirar lentamente até que o oxigênio internacional limpasse meu cérebro de toda a turbulência capitalista, de toda o congestionamento, de todo o pré-deslumbramento e de toda a ilusão criada no meu mundinho imaginário lotado de meninas iguais a mim, com sorrisos brancos e falsos, cabelos lisos e falsos, roupas lindas e falsas. Cheio de meninas iguais a mim, cópias feitas diretamente do Paraguai. Quanta originalidade! Se imaginar falsa como o Paraguai quando se está sentada em solo paraguaio. Taí uma piada que nunca vai fazer graça. Um trocadilho que dificilmente será entendido. Mas eu entendo. Eu sempre entenderei. E sei que tu, o pobre ser que insiste em me ler, também, a partir de agora, entenderá. Na rua, milhares de pessoas passavam lentamente, rapidamente, descontroladamente. Milhares de pessoas, cada qual com seu saco lotado de problemas e mágoas afundadas em lojas que não cobram impostos, resumidas a objetos que jamais serão usados. Cada qual com seu próprio projeto infalível de enriquecimento fácil, jamais pensado. Cada qual com sua própria culpa queimando por dentro. Cada qual a olhar para o lado distraidamente e sentir pena da coitada que os observava com olhos esbugalhados de fome. Era eu, a coitada. Louca de fome. Louca de pedra mesmo. Era eu a admirá-los, a desprezá-los, a invejá-los. Louca por algum pingo de realidade. Da minha realidade.

Sabe qual a sensação que dá quando a gente atravessa aquela linda ponte entre Foz do Iguaçu e a Ciudad del Este? De que somos a Alice atravessando o portal do País das Maravilhas. E quando eu digo maravilhas, não me refiro a criaturas magicas ou árvores que cantam. Me refiro a uma miséria que clama pela existência da ignorância e do êxtase turístico. Me refiro a voltar no tempo, graças ao fuso horário que, magicamente, te faz voltar sessenta minutos atrás e recomeçar o tempo perdido nesse Brasil cheio de impostos e injustiças e regrinhas. Me refiro a preços baixíssimos, a qualidade baixíssima e a pechincha elegantíssima. É o teu mundo cheio de carnaval e samba e preços altos deixado pra trás e os teus olhos e ouvidos se esbaldando na contemplação do impossível. De repente, tudo é consumível, tudo é comprável, tudo é necessário. É como a maçã proibida, multiplicada por mil. Como uma chuva de maçãs proibidas. E todas elas se tornam tão acessíveis! Tudo é possível, tudo é permitido, tudo é adquirido. O primeiro impulso é sair comprando tudo que dança na tua frente, só pra se permitir sentir aquilo que a classe média brasileira não te permite sentir: liberdade econômica de escolha. Depois, vem a culpa. Depois, a realidade. E que realidade! É muito difícil se segurar, se controlar. É difícil não se encher de besteiras que engrandecem os olhos e embelezam o armário e seduzem o bolso. Admito que fiquei orgulhosa da minha determinação em ser pão dura comigo mesma, embora tenha gastado bastante. Mas os meus gastos não interessam ao assunto. Preciso falar sobre a minha epifania! A epifania que me fez ver, naqueles cinco dias de êxtase e beiras de estrada e paisagens lindas e dezesseis horas de viagem, que a minha vidinha pacata em Porto Alegre não significa nada.

Sabe o quê? Precisei me despir de tudo que me prendia nessa minha realidade fechada pra enxergar o mundo imenso que tem lá fora. Percebi o quão medíocre é a minha rotina cheia de horários e compromissos e ódios. Tudo isso é tão insignificante e estúpido! Passei minha vida inteira fechada no meu próprio círculo de sonhos repetitivos e comportamentos previsíveis, no meu próprio planeta cheio de regras e concepções pré-estabelecidas, conhecendo tudo que me era alcançável, vivendo somente o que estava dentro daquele quadro chato da mesmice esperada de mim, por mim. Precisei sentir saudade de toda essa opacidade pra perceber o quão isso fica enraizado na gente. Por isso que é tão difícil mudar: A gente sente saudade de tudo, até do que é insignificante, até do que a gente odeia. Eu odeio o bairro onde eu moro, mas naqueles quatro dias a milhas de distância, senti uma saudade imensa desse bairro medíocre de merda. Não sei se era pra ser uma lição existencialista ou apenas mais um aprendizado, mas gostei disso. Gostei dessa sensação de ser um peregrino, andando sem rumo e sem lugar fixo por entre as ruas desconhecidas desse meu mundo enorme. Gostei da sensação de sentir falta da minha vida e horários seguros. Quando eu tô em casa, sei exatamente o que fazer e como fazer. Quando eu estava lá fora a andar sem rumo, eu não sabia de nada. Nem do que ia comer, nem de onde ia dormir. Mas, de certa forma, me adaptei rápido.

E cá estou eu, sentada nessa galeria, tendo essa epifania futurista. Sei que daqui alguns dias estarei em casa escrevendo exatamente sobre isso, então preciso ser bem específica. O mais curioso, é que aqueles meus costumes estranhos também estão presentes aqui, embora sejam diferentes. Todo o lugar cria seu próprio modo de vida, sua própria cultura pré-estabelecida, suas próprias regras subentendidas. E eles seguem nesse mesmo rumo que eu sigo na minha mesmice, por que é essa a mesmice que eles conhecem. Essa loucura, essa busca infinita pelo lucro, não importa o que aconteça. Não é lindo? Não é lindo como os povos se moldam ao seu próprio jeito? Algo começa a inchar meu peito... É dor de fome, é a fartura de experiência invadindo minha existência totalmente inexperiente. Preciso ir embora agora, mas quero que esse dia fique registrado como o dia em que eu me apaixonei por um lojista paraguaio e sobre como o cabelo ondulado dele me inspirou a escrever esse texto.


 


 

Nota de Rodapé: Já nem me lembro do rosto do cara.

20.06.2012, Caderno de Notas

A verdade é que a vida bate na gente. Ela vem e te soca até o fim. Te estica, te corta, te mata. E se no final tu sobrevive, só resta o torpor. Teu corpo então já não vai mais sentir dor, teu coração já não vai mais sangrar. Tudo vira costume. A dor em si vira costume. E, de repente, a gente se adapta com facilidade à todas as porradas, à todas as quedas. É como se uma armadura enorme de ferro se formasse ao redor do nosso peito. É como se, por algum efeito da natureza, a gente criasse uma espécie de mecanismo de defesa no próprio corpo. Nada mais te fere. E, se ferir, o torpor não te deixa sentir. E se tu sentir... Então é por que o ciclo recomeçou.

Louco, né?

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Confissão Daquela Que Te Ama

Te vejo e sinto medo. Medo de cair diretamente no chão frio da decepção. Teus olhos ardem assim como a malícia que me consome. Percebes? Te vejo e sinto perigo. Alerta vermelho, luzes piscando, furacões destruindo meu mundo cor-de-rosa todo construído com tijolos de vidro. Tu és o monstro que me quebra aos poucos, que me empurra oxigênio nessas narinas congeladas que já não respiram. Tu és o culpado pela ardência, pelo fogo que destrói meu equilíbrio. Oh, e como te odeio por isso. Sou eu vendo milhões de bombas atômicas sendo arremessadas incessantemente nas paredes fortes que protegem meu comodismo. Sou eu sendo forçada à violência do teu desejo meio doentio, meio psicótico, meio impossível.

Te peço amor e recebo beijos. Que beijos são esses, meu Deus, que libertam de mim as minhas feras? Que perfume é esse que desperta em mim os meus monstros? Te peço uma dose de amor, e recebo uma porrada de paixão. Tu me disseste que odiavas o morno, por isso queima na temperatura máxima. Queima tudo, a ti, a mim. O mundo que dorme enquanto eu ardo nesse incêndio que há nos teus braços. Queimamos juntos, nisso que eu penso ser amor. Nisso que pra ti é supérfluo como qualquer outra relação banalizada, como mais uma fogueira que irá se apagar depois que clarear o dia.

Tu, a morte da minha vida recheada de mesmices, tu que roubastes meu sossego, onde estás agora? Fostes embora e já ei de me ter esquecido. Vai-te ser terrível, vai-te, oh, repugnância minha. Vai-te e leva junto essa dependência viciosa que está definhar minhas feições. Vai-te e deixa-me viver no que me é tranquilo. Ou venha e mate-me de vez no fogo. Mas, por favor, liberta-me da tua indecisão.

terça-feira, 12 de junho de 2012

O vôo da Fênix


Sento e espero. Com uma chama a incendiar o estômago, com a sensação de estar perdida no meio do nada, enquanto o planeta se move em passos lentos. Olho para os lados e vejo que todas essas pessoas são iguais. E como pode o ser humano ser tão encantador, ainda que por vezes tenha a mania de se portar feito um monstro? São todos tão bonitos, tão admiráveis. Os observo como uma criança que olha pela primeira vez a vitrine brilhante da loja de brinquedos. São todos eles bonecos da minha realidade, brincando de viver numa ciranda sem fim. Todos eles tem um destino certo, enquanto que eu nunca sei por qual destino seguir. Vão caminhando a passos largos na linha trêmula que cobre a rua. O futuro que abre portas pra quem se anima a lutar. Será que estou lutando enquanto escrevo? Será que também sigo meu caminho em ruas tortas, mesmo parada? Olha, que engraçado.... Os sinos da igreja começam a badalar ao meio-dia, exatamente no momento em que escrevia outro texto sobre uma certa menina assustada que foi obrigada a casar. Essa é a magia do acaso, as vibrações dos meus pensamentos que criaram esse momento único. Todo oxigênio é pouco, toda observação é pouca. Tenho medo de ser reconhecida enquanto estou perdida dentro das minhas próprias histórias. Por favor, ignorem-me. Sou apenas a locutora desocupada, distraindo-se com o drama da vida alheia. O banco da praça, meu trono no reino da magia. É o universo girando e girando sem nunca sair do lugar. Sou eu escrevendo sobre o que não entendo.
Sento e espero. Espero pelo quê mesmo? Nem lembro. Acho que não espero por algo concreto, mas por milhares de coisas que não me cabem no peito, que não me são exprimíveis. Espero pelo tufão de ar que vai invadir meu corpo e me fazer cair feito chumbo no chão. A violência esmagadora da minha própria vida que se desenrola por entre os nós da realidade. O cotidiano que volta aos eixos, unido à solidão tão esperada. Sinto-me alegre. Compreende? Alegre. De dentro pra fora. Quase não sorrio, por que não estou histérica, mas estou alegre. Uma forma de contentação que não sei explicar. Uma alegria triste que não permite a mim exprimir com ações. Sem sorrisos e sem lágrimas. Não acho que seja indiferença, apenas mais uma emoção que não sei explicar. Compreende? Olha... São corações nus caindo aos montes. Estão distribuindo corações desde quando? Não... é uma chuva. Chuva boa que lava a alma. Não chove, mas sinto a água. Sinto a queda dos corações. Batidas leves de cristais no chão, são eles se despedaçando e transformando-se em uma espécie de purpurina. Corações quebrados que iluminam a devassidão poluída do meu universo. Espero pelo quê mesmo? Talvez por alguém que me surpreenda e salve meu coração da queda incessante. Então percebo, com certo conformismo, que o ausente não virá. É apenas mais uma das minhas criações literárias, a qual eu adoraria pôr um nome todo especial. Não sei explicar essas coisas, mas é que as palavras me fogem esbaforidas pelos dedos a fora. Feliz dia dos namorados, e que o pré-sal permaneça evoluindo. São meus dois parágrafos que não fazem o mínimo sentido. Agora sei da onde veio aquele vômito as sete da manhã... datas comemorativas de cunho capitalista me dão enjôo.
E sobre o título desse texto? Não sei... Acho que é uma forma de dizer que estou voando, ainda que minhas pernas estejam no chão. Uma forma de comemorar meu renascimento das cinzas. Ao pó fui, do pó voltei. Ressurgi da imensidão triste, da morfina esmagadora. Estou aos pulos, como quem vive pela primeira vez. Que absurdo! Viver pela primeira vez... O que será que quis dizer com isso? Não tentarei compreender. Dizem que a mente conturbada é a mais genial. Então os sãos que me perdoem, mas apenas os malucos me entenderão. É junho, sempre chove. É o inverno que veio pra levar embora as tristezas do verão. Vai-te outono infeliz, vai-te e segue teu rumo longe de mim. Se alguém avistar o ausente, diga a ele que estou sentada esperando e não sairei daqui tão cedo. Digam que está frio e meu coração já está espatifado. Digam que me transformei em pó. Mas digam também que estou bem. No final a gente sempre fica bem. No final eu nunca sei o que escrever. Não é muito triste a gente não conseguir bolar um bom fechamento pras coisas? Tenho a sensação de que todos os meus textos são finalizados com três pontos, tamanha a minha dificuldade em escrever um final. Perdoem-me os simples, mas fecharei esse texto à minha maneira: Sem o final...

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Reply

"[...]A verdade é que, no meio da multidão, estamos carregando nossas malas pesadas de riquezas e belezas e sentimentos. E uma hora, só porque acontece e não se pode explicar sem parecer ingênuo e arrogante, escolhemos uma pessoa que nos leve.
Eu sei que é amor porque eu te escolhi pra me levar e, mesmo você não tendo aceitado, eu fui.
Eu te vi atravessando a rua com as mãos frias dentro da “jaquetinha paletó que tem zíper” e fui lançada sem tempo de pena. Você não sabe, você não vê, você não quer, você não se importa. Mas, no último segundo do sinal fechado, eu abri a janela do meu carro e joguei a mala com milhões de moedas de ouro.
A mala não te atingiu, caiu meio metro antes do seu último passo. Nem o som do meu peito desmoronado, nem o cheiro do meu amor metalizado, nem a luz da minha devoção dourada. A mala espatifou no meio da avenida caótica pela chuva e pela véspera do feriado. Os famintos, os entediados, os pobre-ninguéns, os todos-os-outros, se engalfinharam pra tirar proveito do amor que, lançado ao homem sem mãos aparentes, agora ficou esparramado, exposto e restante no asfalto, como um resto de feira reluzente".

- Tati Bernardi