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domingo, 10 de outubro de 2010
Epifania ao melhor estilo de Lispector
Pensar, refletir, repensar, organizar os pensamentos já pensados, refletir a respeito da recente organização, reorganizar tudo o que já se organizou, pensar sobre o que resta ser organizado, desorganizar e finalmente, desistir para recomeçar em algum momento dito mais propício ao ciclo de organização mental da autora.
Parece loucura –se não o é – gastar tanto tempo apenas tentando achar as respostas de suas perguntas e organiza-las de modo satisfatório dentro de seu cérebro. Honestamente? Isso é um dos principais requerimentos para atingir a loucura. E também é um dos caminhos mais fáceis para se alcançar a epifania.
Aliás, qual é o significado dessa palavra? Segundo o google, Epifania é uma súbita sensação de realização ou compreensão da essência ou do significado de algo. Pois então, creio que seja isso que ocorreu a mim, no mais inoportuno momento: a compreensão da essência de algo por mim ignorado há muito tempo.
Infelizmente, talvez eu tenha compreendido tarde demais; talvez eu tenha “acordado” tarde demais para poder modificar o passado enquanto ele ainda era presente. E agora, deparo-me com a inevitável sensação de descontentamento e desordem, camuflada por uma pequena tranqüilidade quase convincente. Corrijo-me: uma pequena tranqüilidade convincente.Por que, para o exterior é exatamente a impressão de tranqüilidade e sensatez que os meus atos transmitem.Então por que, para mim, é uma explosão contínua de impulsividade e agitação? Por que parece que é apenas uma questão de tempo até que a tragédia seja posta em prática e o inevitável aconteça.
E foi em meio a tantas reviravoltas que eu, com todas as minhas angústias, visualizei a imagem mais clara de um futuro nebuloso e incerto, um futuro doado através da minha epifania. Nesse pequeno espaço de tempo que me foi dado para saborear de minhas visões, percebi um decorrente confronto entre a Sophie de agora e a Sophie de antes. Eu vi,interagindo no mesmo espaço, a doce, teimosa, sonhadora menina Sophie e a rude, fechada, tímida adolescente Sophie.Duas partes distintas de mim, coexistindo no mesmo lugar. Ambas com a mesma essência, mas também com o mesmo desprezo causado pelo encontro. A mais nova vê suas expectativas sendo, gradativamente, destruídas na mais velha. A mais velha, por sua vez, enxerga um passado distante e alegre demais para o que julga ter sido capaz de ser um dia, causando-lhe verdadeira repulsa, onde agora só restam migalhas de sua antiga e inocente personalidade. Uma querendo fugir da outra. Ambas com o mesmo desejo inquietante de voltar para seus lugares. Mas então eu – a jovem Sophie – mantenho-nas forçosamente unidas, numa tentativa quase brutal de mantê-las vivas dentro de mim. Num atrasado sobressalto, percebi que a adolescente já não era mais eu. Seus sonhos não coincidiam com os meus. Seu rosto não me era agradável e seus olhos possuíam uma mágoa viva, ardente, que queimava cada gesto de bondade que ela, por timidez, não conseguia expressar.
Não. Eu não conhecia aquelas duas garotinhas. Elas me pareciam distantes, inexperientes e ao mesmo tempo, terrivelmente próximas de mim. Eu repudiava a ambas, assim como elas me repudiavam. Uma pequena chama de ódio aceso em meio à admiração que as três, sem motivo aparente, sentiam umas pelas outras. A menina de 12 anos, possuía a expressão taciturna ao olhar-me.Tinha saudades da sua infância e temia seu futuro, embora desejasse algo que não compreendia.Enquanto que a menina de 6 anos era viva, ativa, falante e parecia sentir falta de algo além de suas pequenas compreensões infantis. E então eu. A garota de 17 anos, monótona e viva.Tinha uma boa noção do que desejava, mas sentia falta de algo que não sabia o que era. Queria abraçar o mundo, mas temia a rejeição. Queria ter a coragem de cometer crimes, mas temia o remorso. Era o mais perfeito exemplo de contradições. O resultado não esperado da união entre as outras duas Sophies. A criança imperfeita que seus dois passados criara.
E então eu acordei, ironicamente, dormindo. Tentando organizar cada pequeno trecho do que acabara de descrever, tentando compreender o que tal sonho significara, percebendo ao mesmo tempo, quanta falta sentia de mim mesma.E também notando o quão diferente eu estava do que costumava ser há apenas alguns meses atrás. Minhas palavras, meus pensamentos, meus sonhos, minhas expectativas...É como se milhares de pessoas diferentes habitassem o mesmo corpo. Como se a união de milhares de personalidades estivessem presas em uma teia gigante que formam a minha própria personalidade. Como se eu, Sophie Harinton, fosse apenas o resultado de uma equação recheada de incógnitas e dízimas periódicas, formando números não exatos e muitas vezes indefinidos. Eu tive a visão do mundo que me cercava e da personalidade que eu formulei para mim mesma.
Ainda um pouco zonza, pude concluir que, embora tudo pareça difícil e inalcançável, não posso deixar de perseguir os meus objetivos, nem de insistir em mim mesma. Não vou me abandonar quando o resto do mundo o fizer. Não vou esquecer das outras duas meninas que lutam tanto para serem ouvidas e respeitadas, como eu tenho feito ultimamente. Meu egoísmo será afogado enquanto eu estiver acompanhada das outras duas Sophies, pois nós três sabemos que nos odiamos e devemos conviver juntas sempre.
Porque às vezes, eu apenas sinto falta de ser criança, assim como sinto falta de ser adolescente, e também sinto falta de ser eu. Sinto falta de ser o que eu nunca fui e sinto falta de viver o que eu nunca vivi. Sinto falta de tudo que eu não senti. Sinto falta das pessoas que não conheci. Sinto falta do violão que nunca toquei e do show que eu nunca fui. Sinto falta dos lugares para os quais eu nunca fui e sinto falta dos trabalhos que nunca realizei. Como se um grande vazio prendesse a mim, as outras duas partes do meu ser.
Sinceramente? Odiei minha epifania.
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