Joaquim observava, boquiaberto, a forma como os dedos da menina fechavam-se sobre o colar de pérolas que envolvia seu minúsculo pescoço. Não deveria ter mais que cinco anos, pensava ele. Mas, pela expressão que via em seus olhos, poderia jurar que a sua percepção estava adiantada: Fulminava-o com a intensidade de uma mulher de trinta.
Vozes ressonaram, de forma grotesca, perturbando lhe a observação. Por um momento, Joaquim pensou estar parado comtemplando a criaturinha loura que o assassinava com os olhos, mas de súbito sentiu-se confuso. De alguma maneira, fora atropelado pela motocicleta dourada que o derrubara em cheio no asfalto escaldante. O homem negro e possante em cima da moto o observava com o canto dos olhos, como quem quebra um copo e o esconde em baixo do tapete, com medo que os outros vejam o estrago causado.
As pessoas se aglomeraram com ridícula rapidez ao redor do moço atropelado. Por sorte, Joaquim era forte feito o pai e valente feito a mãe. Uma união de qualidades que o faziam ser caloroso de espírito. Tinha um humor fácil, dócil. Havia saído para fazer a entrega do bolo que havia sido encomendado na padaria onde ele, de forma tão agradecida, trabalhava, quando se deparara com a menina que parecia anjo e o tirara do seu mundo. Era uma exceção às regras da sociedade, aquele rapaz português. Diziam as más línguas, que ele tinha delírios. Mas na verdade, não o compreendiam.
Afastou-se, finalmente, da confusão que o atropelamento havia causado. Ela ainda o observava, a menina. Ela tinha uma risada demoníaca e Joaquim, fosse por superstição tola e imatura, fosse por consequência da adrenalina recém sentida, soube o que ela era. E que Deus lhe protegesse a vida de agora em diante, por que ele estava encurralado, ameaçado, condenado. Condenado a que, ele se perguntava. Condenado ao pesadelo eterno que a menina do colar de pérolas o rogara. Se estava ficando louco ele não sabia, mas ficou feliz por ter uma crença na qual se agarrar.
O bolo, que por sorte ainda estava intacto após a queda abrupta, foi juntado por mãos delicadas de unhas cor-de-rosa. Emanuelle, a amada vizinha de Joaquim, tivera a bondade de junta-lo para o amigo, que a observava temeroso.
- Que tu tens? – Perguntara ela, preocupada.
Ele não queria parecer louco, mas precisava compartilhar seu infortúnio com alguém. Aproximou-se dela e respirou fundo, tomando coragem para contar-lhe sobre a bruxa, quando uma mãozinha gélida o tocara nos dedos. Era ela. Era a bruxa. Tomado de pavor, ele apenas observou, atônito, enquanto Emanuelle afagava os cabelos da criaturinha.
- Oh, Joaquim. Você não se lembra dela? É minha irmãzinha, Gabrielle.
E foi então que ele lembrou-se de Gabrielle. Claro, claro. O bebê louro que ele, por um terrível descuido, derrubara do berço quando ela tinha apenas um ano de idade. O bebe que voltara para assombrá-lo naquela noite de halloween.
E que Deus tivesse piedade dele.
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