Ontem foi um dia muito curto quando penso que 24 horas se
multiplicaram por trinta dias e couberam em apenas cinco minutos. Ontem foi um
longo dia sem você, um mês inteiro com você, cinco minutos apenas comigo. Nossa
quase relação estável foi tudo, menos estável, menos relação, menos quase.
Nossa quase relação estável faleceu antes que amadurecesse, foi parte de um
crime: o Aborto de uma Era.
E eu pude ver nós dois em uma realidade aleatória, em um
mundo no qual nossas vidas se entrelaçam a madrugada, nossos gostos se chocam
na manhã, nossos pensamentos se buscavam durante o dia.
Eu vi nós dois juntos como em um filme dos anos cinquenta da
pequena família feliz. Eu, você e nós. Uma espécie de prévia do que pode
acontecer se um dia eu disser sim, se um dia você disser sim, se um dia o não
se tornar insuportável. Eu vi suas manias, seus pés com cabelinhos espetados,
seu hálito esquisito das sete da manhã me acordando em meio a beijos que, de
tão amargos, se tornaram doces. Eu vi seu cansaço, seu amor por mim se tornar
em companheirismo naquelas cinco horas de filmes e jogos e conversas jogadas
fora com minhas sobrinhas. Eu vi seu tom romântico se transformar em uma voz
entediada, em um timbre novo emoldurado pela rotina. Seus dentes me mordiam no
mesmo ritmo, seus beijos eram explosões astronômicas, tragédias cósmicas que
giravam por entre os meus e eram todos iguais, todos os dias, todas as manhãs,
com aquele gosto esquisito de quem acorda, com aquele doce inesquecível de quem
se apaixona.
Eu lembro de como suas mãos procuravam em vão por algo no
qual se segurar enquanto almoçava, um grito silencioso de como sua falta de
concentração se mostra no exterior. Você procurando algo no qual se manter
focado mesmo enquanto come e assiste tv e me escuta falando sobre meus livros
idiotas. Você fazendo cara de tédio e dizendo que me ama. Você chegando com
suas malas lotadas de aparelhos domésticos que não vai usar e alimentos que não
precisa e gibis engraçados e tomando espaço no meu quarto, roubando minha casa,
roubando eu de mim. Você sorrindo como se tudo fosse muito comum e as pessoas
se mudassem umas para as casas das outras todos os dias só por que sabe
exatamente que é assim que o mundo funciona e acha engraçada a forma como eu
fico quando não sei como lidar com determinadas situações. E acredite, você era
uma situação e tanto. E eu não tinha ideia do que fazer com você. Na dúvida, eu
apenas te amava como sempre soube amar.
Relação estável.
Não é assim que se chama quando a gente namora um cara e ele
por acaso vive na nossa casa? Tipo quem quer casar mas prefere a coisa mais
informal. Tipo quem não tem pra onde ir e se junta só pra ver como vai
terminar. E então foi assim, você não tinha escolha e eu também não. Melhor,
nós tínhamos, mas e daí? E então você pegou duas gavetas do meu roupeiro, uma
prateleira da minha cômoda, cinco metros do meu quarto e alguns mls do meu
shampoo e ficou aqui comigo, como se fosse a coisa mais certa a se fazer.
E foi mesmo, eu só não queria admitir.
Eu não queria admitir que te queria por perto todas as
manhãs, todas as tardes, todos os domingos entediantes. Eu não conseguia ver
felicidade em dias contados, em uma moradia com prazo de validade, em um limite
máximo de 60 dias que eu mesma impus apenas pra tentar manter minha pose de
menina independente. E você levou meus medos pra fora, tirou de mim toda essa
mania de me prender nos meus pensamentos e deixar o resto do mundo girar
sozinho. Meu mundo começou a girar junto com o seu, de mãos dadas e tudo. Eu
quase podia ver coraçõezinhos rosados explodindo no meio da imensidão preto e
branco que é o meu quarto. Suas mãos me salvavam do escuro, sua voz me salvou
do medo. Eu durmo que é uma beleza, mas só depois de passar sessenta minutos
pensando em como seria se fosse para sempre.
Já imaginou? Eu e você, juntos, acordando em meio aos beijos
para sempre? Muito Disney para as minhas ideologias Cazuzianas. Por favor,
Deus, permita-me voltar a ser não romântica, não tola, não estúpida, não
sonhadora coletiva. Gosto de ser eu, eu, eu. Egocentrismo total, apenas meu
umbigo. Gosto de ser eeeeeeeeu. Mas então o destino vem e me acordo segurando
sua mão, sentindo meu braço formigar pela posição errada, sentindo seu perfume
nas minhas roupas dos abraços de ontem, sentindo você enquanto você sente a mim
sentindo você, sentindo que o mundo tem um céu alaranjado nas manhãs de sábados
e isso é lindo.
Meus planos de férias incluíam você, ruas desconhecidas,
caminhadas, beijos, chocolates, ventiladores, calor e um pouco de sacanagem.
Mas então vem o destino e, ao invés de você tornar minhas noites de sono mais
longas e felizes, simplesmente acontece o inesperado. Você não só torna minhas
noites mais felizes como também meus fins de tarde que pareciam intermináveis e
tristes se transformam em horas plenas de contentamento e felicidade. De
repente tem alguma peça encaixada da forma certa no quebra cabeças incompleto e
errôneo que sempre me fez ser mais maluca do que as outras garotas. De repente,
a vida não precisa fazer sentido, por que a vida em si já parece fazer um
grande, enorme, redundante e perfeito sentido.
E você não faz nada além de segurar minha mão, sorrir
daquele jeito, reclamar do meu mau-humor depressivo de todas as manhãs. Você me
fez sentir plena por 30 dias sem que nem eu mesma me desse conta disso, por que
foi como se tivesse sido sempre assim, desde o começo dos tempos. Você, sendo
apenas aquele cara desligado, preguiçoso, doce e entediante e imperfeitamente
perfeito na medida certa deixou minha vida de pernas pro ar quando eu menos esperava.
Agora eu estou aqui, de novo. Homenageando você e seus
minutos lindos de companhia que fizeram do meu dezembro e janeiro mais felizes
e completos. Lamentando que ontem alguns monstros tenham se aproximado da minha
cama por que eu não consigo mais lembrar de como era antes da sua mão me
segurar pra que eles sumissem. O meu limite de sessenta dias foi quebrado pela
metade e aos trinta você foi embora, seguiu a sua vida, desocupou a gaveta,
tirou as roupas da prateleira, deixou livre os cinco metros do meu quarto. Aos
trinta você abortou a criança mais linda que eu quase foi a nossa relação e me
deixou jogada nesse quadrículo solitário e assustador com paredes cor-de-rosa
que o meu quarto se tornou.
E eu vou dormir pelo segundo dia, esperando que você chegue
cheirando a pizza e queijo, que você me beije com gosto de cansaço e saudade,
que você me olhe com amor e descrença, que você bata o portão da minha casa com
toda a força do mundo e minha mãe tenha um ataque histérico, que sua careta me
faça rir, que minhas madrugadas sejam intermináveis, secretas e alegres.
Eu vou dormir pensando em como seus trinta dias passaram
rápidos como se fossem cinco minutos, foram intensos como se fossem sessenta,
cabem em 24 horas de saudades de uma Era que quase foi.
Eu e você quase fomos para sempre ontem e agora não somos
mais. Agora somo apenas o que o amanha pode nos tornar. E isso tudo é tão lindo
que preciso agradecer a você por ser a cura das minhas borboletas que sofrem de
Parkinson. Tenho monstros que vivem no meu estômago e me pegam no meio do dia,
bem no entardecer, que me fazem ter medo da vida, ter coragem de morrer, ter
vontades absurdas, ter desejos irrefutáveis. Obrigada por ter sido a melhor
coisa que já aconteceu na minha vida, a pior situação que eu já enfrentei, o
maior amor que eu já senti.
E que minhas preces sejam ouvidas logo, por que não suporto
mais escrever sobre você.
Nenhum comentário:
Postar um comentário