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sábado, 26 de maio de 2012

Quinze Minutos

- Me dá um beijo?

Era ele de novo. O cara que tinha me atacado no segundo andar, estava na minha frente, com alguma vontade incrível de me fazer ver estrelas ou algo assim. Mãos macias, olhos tristes, voz mansa, estatura média. Meu tipo. Definitivamente, o meu tipo. Mas não digo nada disso, preciso ser comportada. Resolvo então ser difícil. Não, difícil não. Impossível. Eu não passei a minha vida inteira criticando meninas com cabeça de vento pra depois me tornar mais uma do mesmíssimo tipo.

- Não.

- Por que?

- Não quero.

Fatal.

A música ainda tocava em uma perfeita sintonia com o movimento do meu quadril. Mas ele não escutava a musica, não se importava com o que eu dizia. Ele apenas me olhava, com aquele jeito de "cuida de mim por hoje?". Mas eu tinha que ser forte. Eu tinha que ser forte. Chega de criar milhões de esperanças sobre idiotas que não valem a pena. Chega de cuidar só por hoje e querer cuidar só pra sempre. Tô num momento de autoconhecimento e autosuficiência total. Eu e eu mesma. Daí o cara vem e me beija e depois? Sai correndo como se nada tivesse acontecido. Não. Assim não é legal. Prefiro infinitamente mais me sentir burra e solitária do que triste, desiludida e solitária.

- Eu to incomodando?

- Não, tudo bem.

Taí o meu problema. Não sei ser má. Não sei ser ruim o suficiente. É só que, ver um menino de modo tão vulnerável me dá um aperto no coração, uma vontade de cuidar... Não, não... Chega de cuidar. Eu não sou mãe de ninguém e não tô interessada na saliva de ninguém. E o cara deve estar é apaixonado por alguma menina fria que não dá a mínima pra ele. Dai acaba nisso. Ele aqui, na minha frente, tentando esquecer da cinderela lá. Eu sou o que, em? A figurante meia boca que dá pra enganar o estômago enquanto o prato principal não chega? Não. Eu sempre vou ser prato principal. Sem essa de me come agora e me larga daqui a pouco. Ou come pra sempre, ou não come.

- Então tu me da um beijo?

- Já disse que não, amigo.

- Hum... A gente pode conversar?

- A gente já ta conversando.

- Quantos anos tu tem?

Tento me distanciar. Ele pega na minha mão. Dedos macios. Pele quente. Preciso me conter. Preste atenção na musica, preste atenção na musica, preste atenção na musica...

- Sério, eu não to afim.

- Não quer conversar?

- E tu quer ser meu amigo agora?

- Quero conversar.

Hora de ceder. Conversas não fazem mal. Fazem?

- Ta bom, vamos conversar.

- Quantos anos tu tem?

- Dezoito.

- Hum...

- Sério, chega.

- Não...

- Tem outras gurias ai na pista, vai la e te diverte.

Outra tacada fatal. Eu tinha certeza de que ele só estava querendo se divertir. Eu tinha certeza que daqui a pouquinho ele ia sair correndo pra abanar o rabo pra qualquer outra cadela vestida de gente por aí, mas isso me era indiferente. Sem sentimentos, a coisa fica bem mais fácil. E muito mais perigosa.

- Mas eu gostei de ti.

- E me usar como bonequinha descartável? Não. Nananinanão. Nem pensar. Não gosto de ser mascada e depois cuspida que nem um chiclete que perdeu o gosto.

- Só curte o momento.

- Não tô no cardápio.

- Me dá um beijo?

- Eu tenho namorado.

- E onde ele está?

Touche. Ponto pra ele.

Onde diabos estava o meu namorado? No banheiro talvez. Me comprando uma bebida. Dançando sozinho na rua. Beijando uma prima minha. Sei lá. Onde estava meu namorado? Vem então toda a iluminação. Vem então, tudo que eu precisava. Lá estava meu namorado. Beeeeem longe de mim, sem ter a mínima noção do que eu estava fazendo e sem saber que era, naquele momento, o meu namorado. E era pelo meu namorado que não fazia ideia de que me namorava, que eu deveria me conter.

- Na casa dele.

- Tu ta mentindo.

- Não to não. Olha aqui o anel, ó.

- Mas tinha que ser no outro dedo.

- Mas ele é meu namorado, não meu noivo.

- E onde ele está?

- Na casa dele.

- Que pena.

- Serio.

- Sim, sério.

- E por que ele não veio?

- Ele não gosta de dançar.

- Mas eu gosto.

- É.

- Quer dançar comigo?

- Não sei dançar.

- Eu te ensino.

Por favor, ensine.

- Não, eu to bem. Sério, vai lá ó, ta vendo? Ta cheio de guria pra lá. Vai logo!

E foi assim. Foi assim que meu príncipe encantado desapareceu. Ele foi embora e nem olhou pra trás. Resolveu logo de se ocupar com alguma outra iguaria do lugar. Foi e não voltou. Banquei uma de difícil, fui impossível. Missão cumprida. Sem saliva desconhecida no meu organismo. Sem bactérias. Sem perigo de herpes. Sem mãos suaves deslizando na minha nuca. Sem o calor do momento deixando todo o resto desaparecer...

Bem. Eu tinha ido muito bem. Uma garota exemplar. Quase uma madre Teresa de Calcutá na sua versão noturna.

Um exemplo de superação. Um exemplo de autocontrole. Estava orgulhosa de mim. Fazia muito, muito tempo que não me sentia tão atraída por alguém e ao mesmo tempo tao disposta a não estar atraída por esse alguém. Me fez lembrar dos meus amores platônicos e de como era difícil esconder de todo mundo. E me fez perceber o que sempre me deixou irritada em todas essas pessoas que se beijam por esporte: É totalmente esportivo. Eu não sei ser esportiva com essas coisas. Não sei beijar sem querer cuidar, bater, casar. Não sei. Daí me aparece um cara alternativo desses bem moderninhos e faz tudo parecer mega fácil e da moda. Mas e daí? Minha carência não pode ser maior do que o meu caráter, do que os meus princípios. Beijar um bonitinho qualquer é fácil. Dificil é ser o motivo pelo qual eles jogam a vida fora em amores fugazes, em amores descartáveis. Namoros que duram por uma noite, por quinze minutos. Difícil é ser aquela que causa toda essa revolta. Aquela que é a única no mundo deles. A razão pela qual todo o resto perdeu o sentido e garotas meia boca como eu servem pra que ele se distraia de alguma forma menos solitária. Gosto de saber que existem garotas que dão sentido à existência vazia e repetitiva de meninos que parecem legais: me ajuda a ter esperanças.

Depois dele, apareceram vários outros príncipes encantados me oferecendo amores eternos com data de validade bem apertada. Um mais bonito ou romântico ou convidativo do que o outro. Cada um com sua própria voz mansa, com sua própria mão macia. Os olhos que me consumiam enquanto eu bancava a desinteressada. Interessada eu estava, disponível não. Não vejo mais graça em príncipes encantados por que eles sempre oferecem finais felizes que acabam na ultima capa do livro. E sempre me deixou a desejar. O que será que acontece depois que tudo fica bonito? Nos livros, eu não sei. Na vida real, acaba em álcool, dor de cabeça e uma manhã conturbada. Não, não quero saber de príncipes encantados. Eu só quero algum sapo que possa ser beijado e continuar sendo sapo e continuar sendo eterno. Príncipes são falsos, chatos e repetitivos. Sapos são engraçados, verdes e reais. Eu gosto do que é real, odeio o que é repetitivo.

Não saio em busca de pretendentes, embora a existência deles melhore muito a minha autoestima. Saio em busca de alguém que me faça sorrir por quinze minutos e depois desapareça, se tornando inesquecível. Descobri que gosto de dar foras em príncipes. Isso os torna mais interessantes. Descobri que eu prefiro sorrisos e flertes amigáveis a agarramentos escandalosos com desconhecidos. Gosto de quando eles me olham meio embriagados e dizem que eu sou diferente das outras. Mesmo sendo da boca pra fora. Mesmo que no outro dia eles nem lembrem do meu rosto. Sei lá, faz bem pra minha carência. Gosto da forma como o desejo deles ilumina a escuridão do meu ego depressivo. São meus quinze minutos de fama, de glória, de amor eterno. São os quinze minutos que fazem todas as outras vinte e três horas e quarenta e cinco minutos não significarem nada.

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