São seis horas da manhã e eu ainda estou procurando um único motivo lógico para continuar pagando por isso. Sempre me arrependo de ir em festas, mas por algum motivo, acabo sempre voltando. É como um ciclo vicioso. Sempre tem um banner, uma promoção, uma amiga, um minuto de tédio que seja, que me convence a voltar. E então eu volto, toda empolgada. Me arrumo toda, passo o meu melhor delineador, me esforçando pra ter um efeito bem descolado e enfio na minha cabeça milhões de ideias pra fazer a noite valer a pena. Encho meu peito, pego meu cartão de crédito e vou. Vou mesmo, bem feliz ir fazer festa. Daí, tudo bem. Chego lá, é tudo super mágico e bonito. Eu fico encarando todo mundo pra mostrar como sei me maquiar direitinho, esperando alguma espécie de reconhecimento que jamais virá. E aí vem a minha primeira decepção: ninguém reconhece o nosso esforço em ficar apresentável. Apresentável pra quem? Festas não são pra isso, Sara. Festas não são pra isso.
Dou mais uma volta, com o coração explodindo dentro do peito e o tédio aumentando. São sempre as mesmas músicas, os mesmos caras com suas máscaras esnobes. São sempre os mesmos grupos sociais em subcategorias, as mesmas garotas com pele de porcelana que ficam tão bem de batom vermelho. Eu nunca fico bem de batom vermelho, nunca tenho um grupo de amigas que curtem um som indie e não tenho vontade de beijar nenhum bonitinho esnobe. Mas não posso me lembrar disso. Que tipo de garota descolada eu vou ser enquanto ir em festas for me fazer tamanho mal? Não, não, não. Ô amigo, me vê uma dose de tequila aí. Ô parceiro, me vê outra dose aí. Ô chuchuzinho, me trás tudo que tu tiver aí.
Essa sou eu, a grande quase escritora com milhões de trabalhos da universidade atrasados e muito álcool no organismo para entorpecer minhas ideias esquerdistas. A que se diz revolucionária e diferente, mas no fundo, também esconde uma princesinha fútil que adora se lamentar sobre a vida e esperar ansiosamente pelo idiota a cavalo que vai vir bancar o super herói. Bla, bla, bla. De repente, indie é a minha música preferida. O cara esnobe com o sobretudo parece ser lindo e eu nunca quis tanto algo na vida quanto eu quero me aproximar dele. Acabo de conseguir um grupinho de amiguinhas indies, que me emprestam seus batons vermelhos de todos os tons e rimos, radiantes, de frente para o espelho do banheiro. Eu estou tão bonita com esse vermelho prostituta que nem me importo se meu decote caiu consideravelmente para baixo. Minhas amigas me amam, e os bonitinhos prepotentes também. É a vida dos sonhos.
Até que a música começa a ficar repetitiva, os caras começam a ir embora, as amigas somem de vista e eu fico atirada em um canto escuro observando o rodopiar lento das luzinhas coloridas. Todas elas batendo contra a parede preta, refletindo meu sorriso desnorteado. Alguém bate no meu braço, tentando me puxar para a realidade. Não sei quem é, no momento estou chorando. Um rio de lágrimas silenciosas inunda minha garganta dolorida. Cadê meus cavalheiros das trevas? Cadê meus príncipes inalcançáveis? Eles também somem. Tudo nesse lugar parece ter data de validade, tudo se esvai em um tempo determinado. É como nascer e morrer numa noite só.
E, agora, eu estou escrevendo sobre o meu velório. E ele está cheio de luzinhas vermelhas, que iluminam minha palidez mórbida. Mas o que mais eu poderia dizer? Essa sou eu. Uma contradição com pernas. Aquela que se inspira com qualquer mera oportunidade de felicidade que se esvaia no segundo seguinte. Não sou do tipo que sonha com o para sempre. Sou mais daquela que se agarra em qualquer resquício de fugacidade, apenas para poder ter sobre o que escrever depois. Aquela que o nunca se encaixa perfeitamente bem atrás do "foram felizes".
Sou uma personagem criada para mim mesma, suportando todas as falhas de se ser humana. São seis horas e trinta e cinco minutos da manhã. Junto os cacos da minha dignidade e deixo oitenta e cinco reais no balcão. Um número justo, depois de todas as doses. Abro a porta vermelha, aceno um tchau rápido para o segurança que me observa com intimidade e saio para o raiar do sol que já não combina mais com a minha saia preta rendada. O brilho da minha blusa cinza não se encaixa no amanhecer alaranjado de Porto Alegre. Mas tudo bem. Logo estarei em casa e tudo não terá passado de mais uma noite conturbada com pesadelos e caras bonitos. Nada com o que se preocupar. Afinal, amanhã tem mais e nada poderá ser nunca lembrado, por que a noite não existe para aqueles que não acreditam no para sempre.
Nenhum comentário:
Postar um comentário