Eu ainda posso escuta-lo. Agudo e breve, um tanto quanto chamativo e cruel. Meu chamado constante de volta a minha consciência perdida, de volta a minha mente doentia e crônica. Um pouco de dor, alguns mililitros de drama e uma fatia de solidão. Tudo que eu preciso para voltar a mim mesma, para estar com a consciência vivida novamente.
Preciso de uma bíblia e de alguns livros que me remetam a questionamentos que façam o mínimo de sentido. Quero meus lápis e meus cadernos. Um pouco do outono.
Apenas alguns dias para esquecer da imensa perdição de mim. Alguns instantes para que eu possa recobrar o que perdi, o que deixei escorrer de dentro da minha alma. Aquelas partes luminosas que tanto me faziam companhia e agora somem pra dar espaço a um entretenimento mais humano, com um calor agudo e fraterno que de nada tem a ver comigo.
Não costumo ser chamativa ou realista demais. Ainda prefiro o mistério, a discrição e as utopias distantes. Quero ter um pouco de altruísmo, mas assassina-lo com meu bom senso frio e calculista.
Não, na verdade não quero nada disso.
Prefiro a quentura dos livros ou o incomodo do inverno. Não do inverno físico. Mas daquele de dentro, a neve fria, carrasco da alma, rainha do medo. Quero ter a bondade de sentir a falta, mas também a sanidade de não lembrar.
Sonhar com anjos perdidos que assolam a noite em busca de justiça. Assassinar antigos monstros que me incomodam por diversão. Tornar-me austera, introspectiva, vivaz. Uma visão contraditória, talvez. Mas eu nunca gostei de coisas obvias e não procuro por isso.
Tenho dificuldades em tornar-me cética. Mas odeio o quanto sou fria. Um coração de gelo, uma alma pesada. Palavras arcaicas, expressões vazias. Nos pulmões, o ar pesado e úmido. Nos olhos, a água parada, uma seca sem fim. A pele áspera. Não desejo isso pra ninguém. A não ser, pra mim.
A ultima badalada dos sinos da igreja soam ao anoitecer. Crepúsculo do dia, transição de fases. Luminosidade e então, escuridão.
Parece finalmente fazer sentido.
Sempre fez.
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