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quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Part II

"Eu gostava de lugares altos, gostava de me sentir livre e acima do que a vida subur-bana me proporcionava. Em outras palavras, eu gostava de me sentir alta e grandio-sa. Eu praticamente podia sentir a cidade inteira vibrando abaixo dos meus pés en-quanto saltava de um prédio para o outro, sem ser vista. As pessoas estavam muito ocupadas com suas vidas para olharem para o alto e me perceberem ali: saltitante e impossível. Nem mesmo as freiras que eram tão incrivelmente rigorosas, notavam minha falta. Ninguém ouvia meus passos, ninguém me enxergava. A única amiga que eu tive desde que fui jogada naquele lugar, foi uma criança de sete anos que, em apenas um mês de amizade, foi embora com um casal rico e alegre. Eu gostava da solidão: Me fazia sentir especial, independente, adulta. Ter passado a minha pré-adolescência lendo ou quebrando as regras do orfanato me transformou em quem eu era agora, em quem eu queria ser. E o meu querer não ti-nha limites. O que é meio perigoso quando se tem quinze anos. Não que eu quisesse ser a Barbie ou a Fada da floresta – por que acredite, esse é o sonho das outras três milhões de adolescentes desse país. Na verdade, eu queria justiça. Colocar as mi-nhas mãos onde ninguém mais colocava. E por isso, tudo era tão complicado. Eu aprendi, nas ruas, a lutar, a pular, a me esconder, a negociar. Eu não usava dro-gas ( a menos que você considere aqueles cogumelos do ano passado, e admito que me arrependo: as porcarias não tinham funcionado pra nada). Eu não costumava beber. E eu não ligava muito para garotos. Ainda. Mas se tinha algo que me divertia muito mais do que passar horas com a cabeça a-fundada em livros de aventura, era lutar. Eu tinha uma parcela considerável de ener-gia acumulada dentro do meu organismo, que parecia se renovar a cada amanhecer glorioso. Eu tenho certeza de que, se eu tivesse a sorte de ter sido adotada por al-gum casal rico na minha infância, eu provavelmente tivesse me tornado uma campeã de algum esporte para olímpico ou de alguma arte marcial. Tipo o judô ou o kung-fu. Na verdade, eu tenho certeza que poderia ter crescido feliz e satisfeita em meio aos tatames de Box. Eu poderia ter feito muitos nocautes na minha vida. Eu poderia ter apanhado muito e ter batido muito também. E, no meu quarto azul marinho, eu teria uma estante inteira de medalhas e troféus de campeonatos regionais e interna-cionais. Claro, isso só ficava na minha cabeça em algumas noites, quando eu comia aquela gororoba de alguma coisa com feijão e depois dormia. Só de vez em quando, quando as noites ficavam mais escuras e a lua não aparecia e fechar os olhos fazia tudo parecer mais difícil. Só de vez em quando eu sonhava: Eu era uma guerreira, e guerreiros não tem tempo para desalentos. Ou coisas de mulher. Não que eu não fosse uma mulher. Mas hey, você tem de concordar comigo: Ser mulher hoje em dia é uma babaquice sem tamanho. Quer dizer, você precisa gastar muito tempo com coisas inúteis para ser considerada uma mulher bem sucedida. Tipo maquiagens ou homens. Eu simplesmente não preciso dessas coisas. Me dê um arco e flecha, e eu darei a você uma guerra inteira".

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