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quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Epopeia sobre ontem


Ontem foi um dia muito curto quando penso que 24 horas se multiplicaram por trinta dias e couberam em apenas cinco minutos. Ontem foi um longo dia sem você, um mês inteiro com você, cinco minutos apenas comigo. Nossa quase relação estável foi tudo, menos estável, menos relação, menos quase. Nossa quase relação estável faleceu antes que amadurecesse, foi parte de um crime: o Aborto de uma Era.

E eu pude ver nós dois em uma realidade aleatória, em um mundo no qual nossas vidas se entrelaçam a madrugada, nossos gostos se chocam na manhã, nossos pensamentos se buscavam durante o dia.
Eu vi nós dois juntos como em um filme dos anos cinquenta da pequena família feliz. Eu, você e nós. Uma espécie de prévia do que pode acontecer se um dia eu disser sim, se um dia você disser sim, se um dia o não se tornar insuportável. Eu vi suas manias, seus pés com cabelinhos espetados, seu hálito esquisito das sete da manhã me acordando em meio a beijos que, de tão amargos, se tornaram doces. Eu vi seu cansaço, seu amor por mim se tornar em companheirismo naquelas cinco horas de filmes e jogos e conversas jogadas fora com minhas sobrinhas. Eu vi seu tom romântico se transformar em uma voz entediada, em um timbre novo emoldurado pela rotina. Seus dentes me mordiam no mesmo ritmo, seus beijos eram explosões astronômicas, tragédias cósmicas que giravam por entre os meus e eram todos iguais, todos os dias, todas as manhãs, com aquele gosto esquisito de quem acorda, com aquele doce inesquecível de quem se apaixona.

Eu lembro de como suas mãos procuravam em vão por algo no qual se segurar enquanto almoçava, um grito silencioso de como sua falta de concentração se mostra no exterior. Você procurando algo no qual se manter focado mesmo enquanto come e assiste tv e me escuta falando sobre meus livros idiotas. Você fazendo cara de tédio e dizendo que me ama. Você chegando com suas malas lotadas de aparelhos domésticos que não vai usar e alimentos que não precisa e gibis engraçados e tomando espaço no meu quarto, roubando minha casa, roubando eu de mim. Você sorrindo como se tudo fosse muito comum e as pessoas se mudassem umas para as casas das outras todos os dias só por que sabe exatamente que é assim que o mundo funciona e acha engraçada a forma como eu fico quando não sei como lidar com determinadas situações. E acredite, você era uma situação e tanto. E eu não tinha ideia do que fazer com você. Na dúvida, eu apenas te amava como sempre soube amar.

Relação estável.

Não é assim que se chama quando a gente namora um cara e ele por acaso vive na nossa casa? Tipo quem quer casar mas prefere a coisa mais informal. Tipo quem não tem pra onde ir e se junta só pra ver como vai terminar. E então foi assim, você não tinha escolha e eu também não. Melhor, nós tínhamos, mas e daí? E então você pegou duas gavetas do meu roupeiro, uma prateleira da minha cômoda, cinco metros do meu quarto e alguns mls do meu shampoo e ficou aqui comigo, como se fosse a coisa mais certa a se fazer.

E foi mesmo, eu só não queria admitir.

Eu não queria admitir que te queria por perto todas as manhãs, todas as tardes, todos os domingos entediantes. Eu não conseguia ver felicidade em dias contados, em uma moradia com prazo de validade, em um limite máximo de 60 dias que eu mesma impus apenas pra tentar manter minha pose de menina independente. E você levou meus medos pra fora, tirou de mim toda essa mania de me prender nos meus pensamentos e deixar o resto do mundo girar sozinho. Meu mundo começou a girar junto com o seu, de mãos dadas e tudo. Eu quase podia ver coraçõezinhos rosados explodindo no meio da imensidão preto e branco que é o meu quarto. Suas mãos me salvavam do escuro, sua voz me salvou do medo. Eu durmo que é uma beleza, mas só depois de passar sessenta minutos pensando em como seria se fosse para sempre.
Já imaginou? Eu e você, juntos, acordando em meio aos beijos para sempre? Muito Disney para as minhas ideologias Cazuzianas. Por favor, Deus, permita-me voltar a ser não romântica, não tola, não estúpida, não sonhadora coletiva. Gosto de ser eu, eu, eu. Egocentrismo total, apenas meu umbigo. Gosto de ser eeeeeeeeu. Mas então o destino vem e me acordo segurando sua mão, sentindo meu braço formigar pela posição errada, sentindo seu perfume nas minhas roupas dos abraços de ontem, sentindo você enquanto você sente a mim sentindo você, sentindo que o mundo tem um céu alaranjado nas manhãs de sábados e isso é lindo.

Meus planos de férias incluíam você, ruas desconhecidas, caminhadas, beijos, chocolates, ventiladores, calor e um pouco de sacanagem. Mas então vem o destino e, ao invés de você tornar minhas noites de sono mais longas e felizes, simplesmente acontece o inesperado. Você não só torna minhas noites mais felizes como também meus fins de tarde que pareciam intermináveis e tristes se transformam em horas plenas de contentamento e felicidade. De repente tem alguma peça encaixada da forma certa no quebra cabeças incompleto e errôneo que sempre me fez ser mais maluca do que as outras garotas. De repente, a vida não precisa fazer sentido, por que a vida em si já parece fazer um grande, enorme, redundante e perfeito sentido.

E você não faz nada além de segurar minha mão, sorrir daquele jeito, reclamar do meu mau-humor depressivo de todas as manhãs. Você me fez sentir plena por 30 dias sem que nem eu mesma me desse conta disso, por que foi como se tivesse sido sempre assim, desde o começo dos tempos. Você, sendo apenas aquele cara desligado, preguiçoso, doce e entediante e imperfeitamente perfeito na medida certa deixou minha vida de pernas pro ar quando eu menos esperava.

Agora eu estou aqui, de novo. Homenageando você e seus minutos lindos de companhia que fizeram do meu dezembro e janeiro mais felizes e completos. Lamentando que ontem alguns monstros tenham se aproximado da minha cama por que eu não consigo mais lembrar de como era antes da sua mão me segurar pra que eles sumissem. O meu limite de sessenta dias foi quebrado pela metade e aos trinta você foi embora, seguiu a sua vida, desocupou a gaveta, tirou as roupas da prateleira, deixou livre os cinco metros do meu quarto. Aos trinta você abortou a criança mais linda que eu quase foi a nossa relação e me deixou jogada nesse quadrículo solitário e assustador com paredes cor-de-rosa que o meu quarto se tornou.

E eu vou dormir pelo segundo dia, esperando que você chegue cheirando a pizza e queijo, que você me beije com gosto de cansaço e saudade, que você me olhe com amor e descrença, que você bata o portão da minha casa com toda a força do mundo e minha mãe tenha um ataque histérico, que sua careta me faça rir, que minhas madrugadas sejam intermináveis, secretas e alegres.
Eu vou dormir pensando em como seus trinta dias passaram rápidos como se fossem cinco minutos, foram intensos como se fossem sessenta, cabem em 24 horas de saudades de uma Era que quase foi.

Eu e você quase fomos para sempre ontem e agora não somos mais. Agora somo apenas o que o amanha pode nos tornar. E isso tudo é tão lindo que preciso agradecer a você por ser a cura das minhas borboletas que sofrem de Parkinson. Tenho monstros que vivem no meu estômago e me pegam no meio do dia, bem no entardecer, que me fazem ter medo da vida, ter coragem de morrer, ter vontades absurdas, ter desejos irrefutáveis. Obrigada por ter sido a melhor coisa que já aconteceu na minha vida, a pior situação que eu já enfrentei, o maior amor que eu já senti.

E que minhas preces sejam ouvidas logo, por que não suporto mais escrever sobre você.

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