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terça-feira, 19 de julho de 2011

Sucumbida ao ócio

Domingo.

Não é incrível o fato de que o tempo passa absurdamente rápido quando não se faz absolutamente nada de agradável para enganá-lo? Todos os domingos são assim para mim. Perco-me nessa sensação inesgotável de ócio pálido, sedutor, exorbitante que, de fininho, faz questão de abraçar-me. Fico a observar navios da minha janela. Não é como se isso fosse a coisa mais divertida do mundo, mas ainda assim é uma coisa a se fazer. E, se tenho de ser honesta, admito que prefiro mil vezes ficar observando navios do que decorando os traços inócuos e pálidos do meu teto de gesso branco. Afinal, a que isso me levaria? Ficaria tão doida de ócio, que logo desabaria em um sono estúpido e fugaz, o qual não adiantaria para saciar meu sono perturbante. Odeio sentir sono. Esse corpo humano o qual habito não condiz em nada com minhas ambições. Ora, pois, custava ao Senhor dar-me asas? Inescrupulosa blasfemadora me tornei! Chateada pelo tédio, ouso interrogar as benfeitorias concluídas por aquele me criou e, nesse erro de palavras sadicamente proferidas em fila decadente, perco-me em pecados mortais.

Mas seria Ele então possuidor do mundo e criador de tudo que me parecia impossível, não seria?Eu bem sabia que o padre da paróquia jamais mentiria na missa de domingo ao dizer tais palavras em suas orações fervorosas, mas, agora enquanto observava os navios a deixar o pórtico reluzente à luz vermelha do sol crepuscular, pergunto-me se suas palavras soariam verdadeiras. Ora, por que braços e não asas? Não iria custar nada. Nadinha mesmo. Eu bem sabia do seu poder e por isso me tornava impaciente. Queria ter asas! Meu Deus, eu queria ter asas! O quão feliz seria se pudesse voar ao invés de engolir a seco essa visão bela, mas ainda assim atordoante, dos navios a me deixar. Pior do que isso: Nem de perto observo, por que não me é permitido. Sou apenas uma criança, dizem minha mãe e minhas tias, e por estar aprisionada nesta alma infantil, eis que não tenho poder algum sobre meus passos de forma que sou terrivelmente obrigada a observar a vida por essa janela medíocre de persiana branca.

Batem à porta. Assustam-me. Esses monstros vorazes e bondosos a quem chamamos de mãe. Por que me incomoda tanto? Não estaria ela bastante satisfeita ao deixar-me presa em sua ignóbil e tola força maternal? Priva-me a liberdade, a sádica que me pariu. Mas minha revolta não parece ser suficiente para deixá-la furiosa, o que a fez ter a desprezível idéia de cozinhar um delicioso bolo de maçã com canela. Oh que golpe mais baixo o dessa mulher! Como a criatura sabe exatamente como domar os monstros que me põe a odiá-la? Não sei... Duvido que seja bruxa, maga, feiticeira, fada ou sereia. Alguém que tenha o poder de enfeitiçar-me com seus venenos intoxicantes e convidativos, perdendo-me em um doce e inebriante sabor que apenas as suas mãos são capazes de produzir. Ela olha-me com os olhos calorosos, como se estivesse feliz. Oh Deus, por que não me destes asas? Assim poderia eu fugir voando dessa criatura terrível que obriga-me a amá-la mesmo que a odeie. Estaria eu agora em um navio igual a um daqueles que observei partindo, ao invés de conter-me agradavelmente na mesa ao lado dela, sendo enganada com suas caricias de mãe amorosa. Quero fugir, não me ouves pois? Eu sou má. Sou um ser maligno que despreza as afeições. E sou criança fraca, que ama tuas atenções.

Oh Deus, por que destes asas a ela e não a mim? Revolto-me. Revolto-me em admitir que destes asas apenas aos anjos, por que eles sabem conter-se em sua liberdade enquanto que eu, criança inútil e teimosa, ouso interrogar suas bondosas intenções.

Mas ainda quero ir ate aos navios e não terá mãe ou anjo ou asas que me impeçam de ir.

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