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sexta-feira, 14 de outubro de 2011

- Liberdade

Eu estava com calor. Mesmo na noite, que supostamente deveria ser fria, estava quente. O suor da minha nuca estava ali para provar isso e eu não posso dizer que simplesmente estava a vontade, por que eu não estava. Alias, ninguém estava. Não que eu tenha sido o mais amável possível, mas nunca quis isso tudo acontecesse. No fundo, eu sempre soube. Sobre o que aconteceria naquela noite, sobre como me sentiria, sobre tudo. Talvez... Talvez eu realmente tenha nascido para viver como uma andarilha. Talvez eu devesse ir para um mosteiro budista ou para um convento católico e preservar minha vida e alma em busca da espiritualidade e da filantropia. Mas eu não podia me dar o luxo de pensar sobre isso. Eu só podia pensar sobre o que seria dali pra frente.

Ela estava me olhando como se soubesse de algo. E eu, na insignificância dos dezoito anos, não tinha razão em nada, ainda que fosse totalmente capaz para qualquer ato da vida civil, como fiz tanta questão de lembrar a ela. Não entendo o por que de tanta magoa. Afinal, não era sobre isso que eles queriam que eu estudasse? Meu argumento só serviu como prova de que meus estudos estão dando certo: a lei ficou gravada em mim e agora ela se tornou minha principal aliada.

Não aguentei mais aquela situação. Fechei os olhos, respirei fundo e tentei mentalizar algo que me deixasse calma. Eu podia sentir os olhares de desprezo sobre mim. A atmosfera estava tão pesada que eu quase podia sentir a pressão que fazia sobre meu corpo. Mas eu me mantive em pe, inerte e com o coração disparado. Decidi que não discutiria dessa vez. Nada de gritos, nada de brigas, nada de incompreensão.

Eu faria o que queria fazer.

O que sempre quis fazer.

Iria embora.

Talvez não pra sempre, mas ainda assim, embora.

Com as mãos tremulas e o peito arfando, juntei minhas malas e, com alguma dificuldade, coloquei alguns ursos nos vãos dos meus braços, tentando levar o Maximo de mim junto comigo. Tentei gravar na memoria a tinta rosa lascada da minha parede, inalei o cheiro da minha janela velha e segurei a tristeza que insistia em sair de dentro dos meus pulmões.

Com uma ultima olhada de despedida, eu disse tchau aquela casa da qual tanto reclamara. E eu soube que ela também se despedia de mim. Num silencio confortável, saudoso, quase imaginável. Nos separamos, ficando cada uma com uma parte da outra.

Atravessei o portão e fui.

No bolso de fora da mala verde, um papel com meu novo endereço escrito nele.

Dentro de mim, a inevitável contradição de sentir-se incompleta e livre.

Liberdade. Uma palavra tão bonita, um premio tão disputado.

Era um preço alto a se pagar.


 

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