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sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Vão

Foi naquele minuto entre o badalar do relógio e a buzina do carro que eu consegui te olhar. E olhei, olhei tanto que cada vez que te olhava sentia mais vontade de repetir a ação. E repeti mesmo. Todas as vezes que me foi possível, apenas pra que pudesse, daqui há algum tempo, lembrar que tu era de verdade. Com carne, ossos, rugas e sarcasmo. E tu estava aqui, e eu estava ali. Nós estávamos. Como num sonho paradoxal no qual as pessoas se encontram e desencontram de novo e de novo. E tínhamos sede. Eu de ti e tu de mim. E isso nos assustava. Me assustava. Eu te queria, eu te via, eu te tinha. E nós, ainda assim, fazíamos questão de apenas nos olharmos. E estávamos felizes assim. Não, não felizes, mas satisfeitos. Satisfação como uma cor púrpura que se expande dentro da imensidão branca do céu infinito. Nós éramos púrpura e o mundo era a imensidão branca. Mas os segundos passaram tão irremediavelmente que nos contentamos em ser apenas um rosa fraquinho, uma miséria do que um dia foi vermelho puro e provavelmente não voltaria mais a ser.

E tu me dizias: “Ainda te amo”

E eu te dizia: “Mas eu não sei”.

E estávamos bem assim.

Sentimentos confusos, nada que devesse ser revirado. E viveríamos assim. Duas mãos soltas que se procuram em vão no calar da indiferença soturna. Dois felinos independentes e solitários dançando por entre as ruas escuras da cidade. Eu, na minha imensidão do descontentamento. Tu nos passos silenciosos da indiferença.

E estaríamos bem assim.

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