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domingo, 13 de janeiro de 2013

O Clandestino


Suas coisas estão espalhadas pelo meu quarto desde ontem à noite, quando você desceu pela janela cuidadosamente no meio da madrugada. Desde semana passada, quando você desceu por uma rua deserta do centro no meio de um domingo à tarde pós ano novo e me abraçou como se fosse a primeira vez. Desde ano passado, quando você decidiu pegar esse amontoado de sentimentos que eu me tornei e virou tudo de cabeça para baixo só por curiosidade, só pra mostrar certa superioridade quando lida com o perigo.

Tem coisas suas no meu roupeiro, na minha cama, no meu colchão, nos meus ossos, no meu cabelo, nas minhas roupas, na minha memória, no meu cachorro, na minha cozinha, no meu banheiro, nas minhas unhas do pé.  Meu namorado nem desconfia que suas cuecas estão escondidas de baixo do colchão ou que é o seu sabor que ele prova quando beija minha boca. Aliás, ninguém sabe. Temos um relacionamento lindo e clandestino. Você por si só já é lindo e clandestino e talvez apenas por isso nossas noites desassossegadas já valham alguma coisa.

Tenho medo de virar para o outro lado da cama e não encontrar o cheiro feminino do shampoo da sua mãe no meu travesseiro. De não encontrar pontas espalhadas dos teus cabelos no meio das minhas cutículas erradas, como se esse fosse um prelúdio de tempos difíceis com mais seis meses sem você. Não sei como eu iria lidar com isso, então simplesmente não penso sobre o assunto. Seria muita loucura se eu implorasse pra você ficar comigo, mesmo que não fosse pra sempre? Mesmo que você não fosse ele? Você parece tão certo e tão incompatível comigo ao mesmo tempo. Tão excitante e tão caótico que quase não consigo distinguir de um dia para o outro, como estão os seus milhares de humores.

Gosto do modo como você não se preocupa em ser pego tirando o meu sutiã no meio de uma tarde de quinta-feira dentro do seu escritório. Gosto como seus dedos não tremem, como seus lábios não falham, como sua língua provoca. Gosto da sensação de estar fazendo uma coisa tão errada que parece ser tão impossivelmente correta. E talvez eu não mereça um décimo do que ele sente por mim, talvez eu não seja exatamente a garota dos sonhos do cara perfeito, talvez eu não seja totalmente correta e não tenha devolvido o troco do meu vizinho dono do bar perto da minha casa. Talvez eu seja tão cheia de erros e buracos, tão privada de poder ser má, que não me basto na minha encenação para a perfeição inatingível que ele representa.

E talvez você seja a minha alma gêmea, talvez eu e você tenhamos a relação perfeita para um relacionamento imperfeito e sejamos imperfeitamente lindos juntos. Mas isso são apenas suposições e nem só de suposições vive o homem, já diria uma escritora falida que não lembro o nome. A questão é que eu acho tudo muito correto na nossa insistência em parecermos incorretos. E talvez ele não precise de mim do modo que pensa que precisa. E se eu e você não prestamos, talvez ninguém nunca precise ir embora. Aliás, antes que eu me esqueça, você pode ficar o tempo que quiser.

Por favor, fique.

Aceite meus erros e minha incapacidade em viver com o cara que fuma charutos e ganha milhares em ações de empresas que não conheço. Por favor, fique. Fique e me liberte de ser a namorada perfeita do homem mais entediante do universo. Fique e o condene com a hipocrisia de um amor que nunca existiu além da imagem. Fique, por favor. Fique e coloque algumas cores no meu arco - íris envelhecido, dê algum sentido à minha existência arruinada pelo sucesso.

Meus dias são um conjunto de dezoito horas enervantes que passam lentamente enquanto não ouço o som abafado dos seus passos discretos por trás da minha porta. E então as estrelas explodem lá fora, enquanto o mundo acredita que sou alguém que não quero ser. E então as estrelas explodem aqui dentro, no meio do amontoado vergonhoso no qual me tornei apenas para ser uma dessas garotas que são usadas e jogadas fora. Como essas garotas descartáveis que são extremamente carentes, fúteis e volúveis. Não vejo um pingo de amor nos olhos escuros que me assombram os sonhos mais perversos, mas vejo um desejo inconsciente de estar sempre disposto a quebrar regras.

Você tem todos os seus desejos secretos de menino escondidos no âmago do homem imaturo que eu amo. O menino que ama jogos e desafios, o menino que sai de casa em busca de uma aventura rápida e logo volta pra casa, no conforto das asas da mãe, no conforto do shampoo feminino mais cheiroso do universo.

Dizem que cada um tem o que se acha digno de merecer.

Eu nunca tive o seu amor. Eu nunca tive você homem. Eu nunca tive um décimo do que você tem de mim.

Talvez isso seja apenas a vida sendo exatamente do modo que ela é: Dando de troco a você exatamente o que você dá de volta.



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