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segunda-feira, 4 de abril de 2011

A carta - Pt. 3

Querida Jane, eu preciso contar-lhe algo que há muito tem tirado o sono de minhas pálpebras e agitado os pensamentos que me vem à mente. Eu estou no futuro, de novo.
Oh minha querida amiga, por favor, não me julgue ao ler tal revelação. Temo que seu temperamento forte acabe por deixar-lhe os nervos transtornados, mas não deixemos que tal adivinhação de minha parte venha a se realizar. Antes de pensar em censurar meus atos, tente compreender seus motivos.
Pois bem, estava eu a ler alguns contos juvenis, quando de repente algo furtivo e um tanto que irresponsavel atravessara minha sensatez e furtara meu bom-senso: A maquina do tempo que papai guardava no porão ainda estava intacta. O que aconteceu depois desse ímpeto nada plausível de frivolidade e paixão, creio que não seja necessario que se descreva. Eu a usei. Mas juro-lhe, com todas as forças da imensa estima que tenho por voce, que jamais me ocorrerá tamanho equivoco. Nao pretendo entrar naquele antro de perdição, por muito tempo, quiçá pela vida toda.
Deixe-me agora descrever o que vi, adorada amiga. Entenda, eu estava curiosa para saber o que viria a ocorrer daqui há alguns pequenos seculos. E eu o fiz. Após exaustivos 10 minutos de uma vertigem nada agradável, encontrei-me no ano de 2541. Nao sabe voce, Jane, o quanto privilegiada és por não ter me acompanhado em tamanha desventura. Eu, nascida em 1841, em uma época onde todas as coisas simples e sensatas ainda corroem as veias da civilização humana, deparei-me com o mais angustiante momento de decadencia de minha especie. Tamanha angustia, aquela que envenenava minhas dolorosas artérias, que por um bom tempo temi que viesse a enlouquecer. Tantos acontecimentos digno de minha completa eloquencia e falta de sensibilidade, que agora ja nao ouço mais o ruir de minhas emoções: perderam-se naquele - que Deus me perdoe - inferno!
Oh Jane, eu vi com meus proprios olhos, criaturas estranhas em nosso planeta. Essas criaturas, possuidoras de olhos grandes e corpos magros e esguios, tambem aparentavam uma cor alarmante: uma pele escamosa de cor laranja, ou em alguns raros casos, verde. Alguns possuiam antenas como se fossem baratas, outros tinham asas, como os belos passáros que nessa terrível época, ja estão extintos. Eu imagino como deve estar sua frágil imaginação ao tentar desvendar os mistérios de minha atual descrição e me preocupo com a conclusão que acabo de ter. Temo que, em meu lugar, voce é que venha a ficar maluca. Mas por favor, peço-lhe que mantenha a calma, pois o pior ainda está por vir.

Sente-se bem ereta e preste atenção a partir deste momento, mas respire fundo e mantenha-se calma.Prometo ser o mais específica possível e não atravessar os patamares que beiram ao absurdo. Pois, veja você querida amiga, que esses estranhos possuem caracterísiticas semelhantes às nossas, embora sejam desprovidos de uma beleza aceitável. Parecem frágeis e um tanto quanto sádicos. Os malucos - ouso chamá-los assim - não me parecem confiáveis, tampouco sociáveis. Ao caminhar por essa estranha cidade - e agradecendo a Deus por nao poder ser vista - eu passei por alguns pequenos estabelecimentos comerciais nos quais haviam enormes gaiolas de ferro, fechadas com alguma especie de nova tecnologia. Oh, nao se trata de cadeados ou chaves. Trata-se de pequenas caixas metálicas, acionadas por comando de voz! Sim, Jane, isso beira a loucura! Mas bem, preste atenção, você não vai acreditar no que continha dentro de tais caixas, aprisionados como se fossem galinhas.
Nas gaiolas, havia nada a mais, nada a menos do que pessoas. Crianças, Idosos, alguns macchucados, outros com uma aparência saudável. Todos eles continham marcas em seus corpos, com números desenhados no pulso direito. Tamanha fora minha surpresa ao deparar-me com tamanha afronta! Não imaginas o estado lúgubre e depreciativo em que eu me encontrara desde entao, prezada amiga.
Mas engana-se ao deduzir que o absurdo termina por aí. Oh, sinto compaixão por você que lê tais palavras e acha que está livre de mais anedotas. Não permita a si mesma tamanho equivoco, pois estou apenas começando.
Oh Jane, eu vi crianças sendo tratadas como animais! Eu vi pessoas sendo chutadas por essas criaturas, eu vi famílias inteiras carregando pesados objetos com rodas - parecidos com as atuais carruagens - como se fossem cavalos! Eu vi, com olhos assustados e surpresos, uma miniatura daquela criatura horrorosa de pele laranja carregando uma criança loura de olhos azuis em seus braços, exatamente como fariam as damas de nossa sociedade ao segurar um felino. Eu vi, eu presenciei a tudo isso e tive de manter-me calada, absorta em minha angústia.
Oh, pobre de mim, pobre de mim. Não gosto de achar coitadismos em testemunhos que poderiam descrever a aparente hipocrisia daquele que narra sua própria desgraça com olhos penosos, mas devo admitir que ao lembrar de minhas esperanças sendo açoitadas a cada esquina por essa estranha-futura-realidade eu sinto uma enorme pena de mim mesma! Acredita pois, que tais criaturas, por serem realmente frágeis ao frio e ao sol, carregavam em seus corpos, tecidos iguais ao que revestem meus musculos? Sim, sim, querida Jane, eles usam peles de pessoas! Eles utilizam peles de pessoas, de pessoas, de pessoas! Repito, repito, repito e isso não há de entrar em minha cabeça tão facilmente. Oh, quase morro de aflição ao lembrar-me de suas mão gelatinosas e fétidas, cobertas por uma estranha luva de pele branca! Acredita-me que até as unhas eles mantém intactas? Pois, pelo que entendi, esta seria a "moda" do momento.
Oh, como poderão existir tamanhos bárbaros no futuro? Não compreendo o que o homem pode ter feito para que sua espécie tenha sido tão afrontada, tão rebaixada!
Mas aqui, em 2541, é tudo aceito como se fosse normal. E eu temo por isso! Oh, como eu temo...
Eu gostaria de poder finalizar essa carta depois do relato das peles, mas seria hipocrisia de minha parte ignorar os fatos que tento ocultar de minha alma, e da sua por saber a tamanha desgraça que irá causar-lhe, assim como causou a mim, mas sinto que é de extrema importância que ignore meus temores e lhe diga logo o que de mais cruel é feito com as criaturas de nossa espécie. Jane, nós viramos comida. Há aqui, prédios enormes com salas lotadas de seres humanos que são - como eles chamam - abatidos. Pelo o que o meu cansado cérebro entendeu, essas criaturas aprisionam as pessoas e, dependendo de sua cor, tamanho e idade, subdividem em categorias. Depois de subdivididas, cada qual de acordo com suas características, morrem. Oh, não, não morrem com alguma epidemia ou espada. Eles morrem a grotescos golpes, ou quando são bebês, por máquinas. Então são embalados e levados ao comércio. E então, os humanos sao postos em lugares que parecem como uma feira gigante protegida por concreto, com placas que indicam seu preço de acordo com o quilo da sua carne ou idade.
Tamanha memória é demasiado triste para mim,mas precisava contar isso a alguém, antes que explodissem dentro de meu peito! Crianças, querida Jane, crianças!
Como podem? Tratam-nos como animais... Não! Por que não tratamos aos animais assim. Eles nos tratam como lixo, como se servíssimos apenas para seu uso.
Mas apesar de tudo, algumas poucas criaturas parecem não serem aptas de tal regime e lutam pela liberdade de nossa espécie. Infelizmente, essa é uma pequena minoria quando comparada à enorme massa de sádicos, estranhos carnívoros.

Agora sim, minha querida amiga, eu termino esse triste e angustiante relato. Por favor, não pense que isso faça parte de minha mais criativa imaginação. Asseguro-lhe por tudo que há de mais sagrado nesse mundo de que lhe digo a verdade. Em breve, a espécie humana irá sofrer os tipos mais atrozes de sofrimento e não haverá nada que poderemos fazer para mudar isso. Agradeço a Deus por estar vivendo em uma época ainda pacífica.

Mais uma vez, peço-lhe perdão por tirar sua tranquilidade e talvez ter aniquilado suas próximas quinze noites de sono, mas tente se consolar com o que eu acabara de dizer sobre termos o privilégio de termos nascido no século XVIII. Espero encontrar-lhe em breve.

Com tristeza e carinho, Danielle Bennet.

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