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domingo, 3 de abril de 2011

A viuvinha - Jose de Alencar

Nos primeiros dias que se seguiram a catástrofe, Carolina ficou sepultada nessa letargia da dor, espécie de idiotismo pungente, em que se sofre, mas sem consciência do sofrimento.

Dona Maria e o sr.Almeida, que a desgraca tinha feito amigo dedicado da família, tentaram debalde arrancar a moca desse torpor e sonolência moral. O golpe fora terrível; aquela alma inocente e virgem, bafejada pela felicidade, sentira tão forte comoção que perdera a sensibilidade.

O tempo dissipou esse letargo. A consciência acordou e mediu todo o alcance da perda irreparável. Sentiu então a dor em toda a sua plenitude e a profunda apatia sucedeu uma irritação violenta. O desespero penetrou muitas vezes e assolou esse coração jovem.

Mas a dor, a enfermidade da alma, como a febre, a enfermidade do corpo, quando nao mata nos seus acessos, acalma-se. O sofrimento, em Carolina, depois de ater torturado muito, passou do estado agudo ao estado crônico.

Vieram então as lagrimas, as tristes e longas meditações, em que o espírito evoca uma e mil vezes a lembrança da desgraca, como uma tenta que mede a profundeza da chaga, em que se acha um prazer acerbo no magoar das feridas que se abrem de novo.

A pouco e pouco o que havia de amargo nessas recordações se foi adoçando: as lagrimas correram mais suaves; o seio, que o soluço arquejava, arfou brandamente a suspirar. E, como no céu pardo de uma noite escura surge uma estrela que doura o azul, a saudade nasceu n'alma de Carolina e derramou a sua doce luz sobre aquela tristeza.

Tinha decorrido um ano.

Começou a viver dentro do seu coração, com as reminiscências do seu amor, como uma sombra que se sentava a seu lado, que lhe murmurava ao seu ouvido palavras sempre repetidas e sempre novas. Sonhava no passado; diferente nisso das outras mocas, que sonham no futuro.

Mas um coração de 15 anos é um tirano a que não ha resistir; e Carolina não contara com ele.Quando uma planta delicada nasce entre a sarça, muitas vezes o fogo queima-lhe a rama e o hastil ; ela desaparece, mas não morre, que a raiz vive na terra; e as primeiras águas brota e pulula com toda a forca de vegetação que incubara no tempo de sua mutilação. O coração de Carolina fez como a planta. Apenas aberto, a desgraca cerrara; mas veio a calma e ele tornou a abrir-se. A principio bastou-lhe saudade para enche-lo; depois desejou mais, desejou tudo. Tinha sede e amor; e não se ama uma sombra.


 

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