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sábado, 21 de janeiro de 2012

Quase

Alguém sorri à minha direita, mas não consigo prestar atenção em que é. No momento estou vidrada demais nas folhas verdes que se espalham pelo chão. Grama. Dizem que eu como grama, mas não como. Vejo o reflexo de alguém na porta de vidro. Cabelos bonitos. Boa escolha de roupa. Tem um zumbido engraçado da brisa do mar. Engraçado. Acho que vai chover, mas não chove. O sol se abre. Alguém diz o meu nome. Respondo. Era uma piada. Engraçado. Os segundos vão caindo como gotas de chuva na minha cabeça, machucando, abrindo, limpando, curando. O sol vai baixando. Faz sombra em mim. Faz calor também. Mas onde eu estava? Oh sim, tem grama. E se eu olhar bem, conseguirei ver o cachorro do vizinho. É um Golden retrivier caramelo. Lindo, bem tratado, com um cone no pescoço. Em algum lugar das minhas lembranças, ele habita um lugar importante. Sinto como se fosse uma facada, um golpe fatal no que eu chamaria de cérebro. Vem a dona por trás, bonita, alta, independente. Não sei se é certo dizer essas coisas dela, mas é o que eu imagino. Alguém continua a rir do meu lado. Rio junto. Transformo a melodia em algo mais forte, quase uma batida. Somos uma música agora, um coro feliz. Como o natal. Quase como o natal. Crianças cantando em uma noite de nevasca em Nova York. Alguém nesse exato momento corre por entre as árvores do Central Park. Mas eu estou aqui. Não, não estou. Estou correndo no Central Park. Eu sou alguém. Mas não existo ainda, embora existir seja algo muito subjetivo. Será que existo realmente ou apenas me convenço disso? Uma espécie de atuação do que seria minha vida. Estou na Grécia. Agora, estou rindo com algumas meninas da minha idade. Mas elas não sabem que eu não estou aqui. Droga, como elas saberiam? Sou duas. Sou três. Estou aqui, mas não estou. Não existo. Ando correndo por entre todas as dimensões que me são proporcionadas. Mas olho para o lado e vejo meus dedos na mesa. Eles são tão uniformes, tão perfeitos. Quem será que os desenhou? Ou não são desenhados? Ou simplesmente são assim por genética? Não pode ser. Alguém muito incrível deve ter nos desenhado. Meus dedos são tão bonitos, com uma cor tão certa. Tao perfeitos. Assim como a minha mao. Como as minhas mãos. E unhas. E estão limpas. Mas algo me queima nas costas. Droga de sol. Que eu tinha na cabeça pra vir correr no Central Park sem protetor solar? Que eu tinha na cabeça por vir me banhar nas águas da Grécia sem o mínimo de proteção? Oh, estão me chamando. O que querem? Dou conselhos. Clichê. Falo coisas tão clichês. Sorrio. E me divirto. Fazer de conta que se vive é muito divertido. Quase sou feliz assim. Quase. Posso sentir a felicidade ali. Toco nela às vezes, quando me dou conta de que sou feliz. Mas nesse momento não sei se sou, então é melhor ser sincera. Tic-tac. O tempo passa. Já passou.

"Quer ir embora?" Ele pergunta. E eu vou. Vamos. Fomos.

Choveu, sempre chove. Tão bonito. O que acontece com quem mora nessas casas nesses morros lindos? Como se faz pra subir até lá e ter uma casa como aquelas? Mas eu moro numa ilha, não posso morar também numa montanha. Tarde demais, já estou morando em uma. E é tão fácil. Volto pra ilha, escrevo. É tão calmo aqui. Volto pra montanha. Faz frio. Quase morro de frio, mas isso é bom. Alguém me chama ao lado. O que quer? Uma soma. Somei. Dei o dinheiro. Por um momento voltei ao meu eu. Mas quem é o meu eu? São tantas dimensões... Escolho outra vida. Brincar de viver é algo que realmente me agrada. Mas chove. E continua sendo tao bonito. E posso ver as nuvens no céu se abrindo. Tu vês também? Olho a luz do sol que entra encurvada pelo espaço medíocre que se abriu no céu. Quase como um rasgo em uma folha de algodão. Um teto de algodão. Nuvens negas, brancas. Todo mundo junto deixando a luz entrar. Mas estou ocupada demais voando em carros do futuro. Como não haviam pensado nisso antes? Alguém me toca. Uma voz grave ao fundo. Reconheço isso. Renato Russo diz frases que me cortam, que me emocionam. Quase choro. Quase. E eu dizia ainda é cedo... Mas não sou eu. E o tempo passa. Já passou. Me perguntaram uma vez se eu tinha algum compromisso. Que piada, não tenho. Mas na verdade, eu tenho sim. Sou burra por não lembrar. São vinte e duas horas da noite. Ainda é cedo. Não posso me atrasar. Eu tenho um encontro com a minha vida. Não sei ao certo quando, mas espero que ela chegue logo. Enquanto isso, eu vou treinando. Com momentos felizes. Ou quase felizes. Posso viver até lá. Ou quase viver. Tic-tac. O tempo passa. Cazuza disse que o tempo não para. Mas não posso me importar com o tempo, estou ocupada demais vestindo roupas novas. Sou eu, sou outra. Ou quase sou.

Será que existo? Não sei, não sei...

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