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quinta-feira, 5 de julho de 2012

A Obsessão

Desligo o celular, apago as luzes e deixo que alguma música aleatória role do meu computador. São seis horas, o sol se põe em algum momento glorioso e inesquecível na vida de alguém que o observa se ir, enquanto eu me privo de qualquer toque externo de esplendor. Na minha cabeceira, guardo um amigo fiel, um companheiro de todas as horas. "A paixão segundo G.H." é o nome dele, autoria daquela tal de Clarice Lispector de quem tanto falam nas redes sociais. A mulher só podia ser meio doida, percebe-se só de ler algumas frases que ela escreveu. E por isso sou tão imensa e profundamente grata a ela: Dificilmente um estranho consegue descrever minha introspecção de forma tão tristemente bonita. Quase choro quando lembro daquele conto sobre a menina ruiva e o cachorro enamorado. Quanta sensibilidade! Quanta besteira!

Minha companhia me basta. E talvez esse texto sirva apenas para sublinhar essa verdade. Minha companhia me basta. Vê a sonoridade das palavras? Minha companhia me basta. De um modo meio disforme, meio completo, mas ainda assim, sonoro o suficiente para me manter saciada por algum tempo. Será que sou mesmo apenas mais uma dessas pessoas patéticas que passam a vida procurando por distrações e certezas que as preencham? Não, não quero ser assim! Acho que consigo me diferenciar da massa. É que distrações raramente conseguem me manter entretida por tempo suficiente, então procuro por algo mais duradouro, mais profundo. Acontecimentos ou objetivos que me deem total certeza de meu futuro e ainda assim não se bastem em si mesmos para preencher o meu vazio existencialista, vulgo obsessão.

Meu Deus, eu sou obsessiva! Claro, claro, como nunca vi isso antes? Estou obcecada! No momento, estou obcecada pelo meu poder mental. Mas, agora tenho certeza, será diferente. Não é apenas uma obsessão, é mais um estudo profundo sobre a nossa capacidade e força e evolução, entende? Andei me interessando bastante por Yoga, culinária e positividade também. São assuntos que passam batidos, mas são essenciais para o meu crescimento. No momento, existem cinco livros me fazendo companhia. É quase como um evento social, com sorrisos e teorias e conversas infinitas sobre assuntos antes não questionados. E dá pra acreditar que as cinco pessoas mais incríveis do mundo ficam o dia inteiro a me esperar bem do lado da minha cama? É, eu sei. Sou sortuda.

Ler é uma das poucas maneiras que encontro para distrair o meu descontentamento. O quão relativo isso pode ser, em Einten? E= MC², hein? Claro, claro... Sempre fez muito sentido na verdade. Sempre acreditei bastante nessa teoria da unificação e nessa coisa de a energia formar o todo e tal. É só que pensar sobre isso, me põe num estado de questionamento além das minhas possibilidades. A quem devemos recorrer quando tudo o que fomos ensinados se rompe? Não vejo mais paredes, obstáculos ou castigos. Não vejo mais realidade, por que até mesmo a certeza da ciência se tornou subjetiva. Pra onde eu devo fugir, quando tudo que me parecia seguro se rompe em ilusão? E o filme Matrix jamais fez tanto sentido quanto agora. E todas aquelas teorias sobre religião, politica, economia, historia, matemática, sociedade... Elas se perdem, se confundem, se quebram ao meio das minhas novas percepções. Minhas certezas foram quebradas e, por isso, me apego à única certeza que me resta: A certeza de que estou obcecada.

Raramente tenho total consciência de como andam meus sentimentos, por que eles, assim como eu, têm mudado a todo instante. Agora consigo sentir! Eu sinto certeza e claridade, como uma luz no fim do túnel, algo em que posso me agarrar enquanto o vagão com a minha vida passa em velocidade máxima ao meu lado. Quase não consigo acenar, por que toda despedida me assusta. Principalmente se for uma despedida das minhas certezas. Então começo a entender por que tenho me agarrado a tantos vagãos aleatórios. São minhas obsessões oferecendo certa segurança naquele meu velho método de sobrevivência. Lá vai um, repleto de arcos e flechas. Lá vai outro, repleto de violões e pianos. La vai outro, repleto de caras e bebidas. Ainda tem mais um, cheio de consumo exagerado. Olha, tem mais outro, com um globo espelhado iluminando a escuridão sonora do ambiente propositalmente criado em prol da diversão fugaz. Espera... Ta vindo mais um, cheio de companhias desagradáveis. São meus próprios vagões, construindo um trem imenso e lotado de obsessões descartáveis. Percebo, com certo orgulho, com certa vergonha, que andei ocupada demais construindo uma sucessão de sonhos infundados, de encantos mal formados.

Precisei me despir de todos os meus exageros pra poder enxergar com alguma sobriedade o que havia me restado. É como uma ressaca moral. Tomei um porre dessa vidinha barata, dessa projeção enganadora e agora estou no meio do meu vômito de consciência. E sinto como se estivesse apenas no começo, como se todo esse misto de culpa e arrependimento não tivessem atingido seu ápice. É que essas coisas de dependência e obsessões são meio contraditórias, a gente meio que quer largar, meio que quer continuar. Mas não existe meio. Existem certezas que se quebram, certezas que aceitamos como certezas pra não ter de pensar no teor original da certeza que, provavelmente, se quer foi formada. E existem as dúvidas, o incerto, o não pensado, que, normalmente, é o caminho mais fácil a ser seguido.

Sei lá, desde que as coisas chegaram a esse ponto de obsessão, eu já tive opções consideráveis para poder seguir minha vida sem precisar de motivos que a impulsione. Mas daí, daí eu penso que talvez, só talvez, toda aquela historia sobre o ser humano estar sempre insatisfeito pode fazer certo sentido. Não me satisfaço com nada, seja profundo ou superficial, frio ou quente, forte ou fraco. Sempre quero mais, sempre busco mais, sempre vejo mais, sempre sinto mais, sempre não quero mais. Entende? É não querer demais! E esse meu não querer é infinitamente mais perigoso e triste do que o querer. Quando quero, sei que quero, e vou atrás. Simples, rápido, doloroso e, na maioria das vezes, bem complicado, mas melhor. E quanto a não querer? É chato. Quando não quero, não quero com todas as forças do meu ser. O não querer gera uma revolta tão grande no meu organismo que eu chego a adoecer. Daí me privo, me fecho, me sumo. Dou uma volta, saio de cena, caio fora, sacomé? O não querer me priva das minhas obsessões e das minhas razoes de existência, tornando a minha realidade entediante. Um universo repleto de duvidas que fazem sentido e certezas que não me preocupam.

O tio Einsten tem toda a razão, a proposito. E= MC². Energia é igual a matéria mesmo, ele tem toda a razão. É o não querer que me mostra o óbvio, o antes nunca explorado. É o não querer que me livra de todas as regras sobre obsessão e de todos os clichês sobre sentir-se vazio e coisas assim. Eu sou mais do que isso, por que me basto e me basto bem longe de todo mundo. Chega um momento em que as pessoas começam a ser entediantes e socializar vira um martírio. As conversas são as mesmas, os sorrisos são ensaiados, os olhares são controlados. Não preciso de palavras medidas nem de abraços com hora certa pra acabar. Eu me basto. E, por me bastar, não me suporto. Que companhia poderia ser pior do que a de alguém que já não suporta a companhia de ninguém mais? Não me suporto e, a isso sim, chamo de não querer. Não quero nem a mim, façam o que quiser. Estou obcecada a não me querer, a não querer mais.

Exílio. Abdicação. Introspecção. Obsessão. Podem chamar do que quiser. No final, será sempre você contra você mesmo.

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