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domingo, 4 de novembro de 2012

O gato que tinha nome de rato

Eram lá meus dez ou onze anos. As fantasias da infância riam-se de mim quando eu, assustada pela chegada inesperada da adolescência, escolhera por enfeitar a casa com balões azuis e vermelhos. O tema da minha festa de aniversário era o "Homem-Aranha", já que sempre tive uma certa queda por gibis e homens de roupa colada.

Sob a mesa enfeitada, um bolo de dar água na boca trazia sobre si velas com a idade maldita. A prova de que o tempo estava passando e eu estava, gradativamente, transformando-me numa estranha para mim mesma. O cheiro de chocolate invadia a casa. Era uma festa humilde, só pra família. Na sala, ao lado da cozinha, ouvia-se os ruídos raivosos de futebol passando na televisão. Um Galvão Bueno descontente chingava os jogadores preguiçosos. Nas minhas mãos ansiosas, um gato se despreguiçava. Acredito que toda garota que se preze já teve um melhor amigo do sexo masculino. Ao menos eu tive. E o nome dele era Mickey, o gato com nome de rato.

Escondidos no meu quarto, nós ficávamos a esperar uma chamada para o jantar. Eu gostava de fingir surpresa. Ele, gostava de me acompanhar. A pelugem cinzenta que o cobria era densa e lembrava esfregão de aço. Os olhos esverdeados eram astutos, mas, naquela noite, pareciam preocupados. Mickey costumava ser um gato muito sutil, embora fosse também muito amoroso. E, na sua sutilidade, ele despedia-se de mim em silêncio.

Naquela noite, uma família se reunira feliz a cantar em nome da menina que fazia onze (ou dez) anos. O calor de novembro transformara a casa em um ambiente agradável, graças à brisa noturna. Eu estava feliz, mas, ao dar meia-noite, soube por intuição que algo havia mudado.

Mickey, o gato com nome de rato e coração de anjo, havia sumido.

Não sei se morreu, se fugiu, se foi roubado.

Mas o mistério do seu desaparecimento entristece-me até hoje.

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