Translate

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Perdida e Grandiosa

Ando em meio a essa multidão de rostos assustados e passos rápidos e me pergunto se essas pessoas sabem pelo que vivem. Às seis da tarde de um dia urbano conturbado, cheio de horários, trânsito, barulhos, intrigas, sujeiras, gorduras, manipulações e amores, estão eles. Esses três milhões de habitantes que geram mão-de-obra e carregam o futuro do país, o salário do poderio e as dores de se ser quem se é em cima dos ombros. Olheiras, vermelhidões, gripes, pobreza, mesquinhez. Fatos que entregam a sobrecarga, o transporte não suportado. E, pelo meio, andam os alienados, os protegidos. Lá estão eles. Lá estão os cegos: são eles, somos nós.

Às vezes acho mesmo que tudo faz parte de uma realidade virtual criada pra testar a inteligência superior de seres evoluídos e lindos como eu. Sim, por que eu, segundo o meu ego, sou linda e inteligente demais quando comparada à essa gentinha de merda. Não pertenço a esse planeta, simples assim. Devo estar em algum tipo de reality show inter-planetário que testa a minha paciência, a minha resistência, as minhas habilidades em sobreviver no desconhecido e inabitável. E como é triste quando percebo que, no fundo, sou igual a todos eles. Sou detestável, suja, patética. Cheia de erros, imperfeita, sem nada de especial. Com vermelhidões, olheiras, pobreza, sujeiras, gorduras, intrigas e amores. Exatamente como todo o resto, resignada, enquanto sigo firme na minha posição privilegiada na fila do abate.

Não sei falar sobre o que não entendo e posso parecer maluca. Mas acho que sou maluca mesmo, já disse isso milhares de vezes. Não compreendo nada desse mundo, não faço ideia de como vim parar aqui. E se você vier me falar da união divina entre o espermatozoide vencedor com o útero sagrado, desista. Exatidões me são entediantes, certezas me dão sono, respostas não me suportam. Se preciso ser alimentada para me manter viva, então tenho algo pelo qual viver. Se me alimentam, minha existência estará limitada e daí é só partir para o final. Mantenham-me faminta. Não me deem cálculos ou certezas. Não me respondam. Não me preencham. A vontade de é a minha razão de viver. E, sem ela, eu morreria.

Você também quer entender, não é? Você também quer respostas. Más notícias: Estamos no mesmo barco. Cegos, sempre cegos. Fiéis, patéticos e cegos. Nem sei mais no que acredito, sabia? Não sei mesmo. Agradeço ao sol, ao ar, a Deus. Agradeço a algo que não compreendo em sua grandiosidade e me acho patética, boba mesmo. Acredito mais por costume e temor do que por fé de verdade. Não existe mais um homenzinho barbudo com seu caderninho de notas que me olha la de cima e diz como eu devo seguir em frente ou não. O conhecimento é uma maldição, uma condenação eterna. Aniquila a inocência que jamais deveria ter escapado dos meus olhos infantis, dos meus medos gigantescos, da minha sede de coisas puras. Sabe o que o conhecimento fez comigo? Tornou-me cética, chata, irritável, arrogante. Tornou-me sábia e imatura. O conhecimento acabou com a minha humildade. Acabou com o meu Deus. Acabou com o meu amor. Tudo que sobrou é essa casca dura e cheia de dores e friezas e conhecimentos inúteis.

Eu sei o que dizem por aí. Dizem que conhecimento liberta a gente dessa doença chamada ignorância. Um segredo? A ignorância é o passaporte para a liberdade. A liberdade de se ser o que se quer sem odiar a si mesmo por isso. A liberdade de se ser idiota sem perceber que se é, de fato, idiota. Simples assim. Liberdade de se ser ignorante sem nem ao menos se importar com isso. O idiota não se acha idiota por não saber que é. O infeliz não sabe que é infeliz por não conhecer a felicidade. É isso. Se você é feliz sendo ignorante, não procure conhecer. Vai acabar com seu sono, sua alegria, sua paz. Conhecimento trás dúvidas e angústias e medos terríveis. Ele alimenta nosso ego, aumenta nossa percepção egoísta. Meus problemas são maiores e mais pesados e mais tristes do que o do resto do mundo, assim como meus amores e minhas revoltas. Amo mais do que os outros jamais imaginaram ser possível amar. Odeio de uma maneira que ninguém mais poderia se quer pensar em um dia odiar. Sou única, incrível, inteligentíssima. Quero ver toda essa gentinha curvada, ajoelhada abaixo da minha grandiosidade.

Eu sou a dona do mundo e tenho todo o direito de escrever essa crítica a mim mesma, ao meu ego estúpido que se reconhece como idiota e, ainda assim, não o deixa de ser.

Dedico esse texto à minha estupidez egocêntrica e a você que me odeia.

Acredite ou não, às vezes eu também me odeio.

Nenhum comentário:

Postar um comentário