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quarta-feira, 7 de novembro de 2012

O texto que não é sobre você

Só dessa vez eu queria não escrever sobre você. Sei lá, tenho milhões de assuntos que poderiam ser bem mais interessantes do que a sua revolta disfarçada em passos rápidos. Bem mais interessantes do que o meu ódio disfarçado com surpresa. Mas é assim que acontece, você cruza a rua, dentre todas as milhões de ruas que existem nessa cidade, você simplesmente cruza aquela rua.

Sou uma pessoa que ama debates. Eu posso ficar aqui falando sobre alienígenas, apocalipse, economia, comunismo, direito, livros, música, educação e até de cozinha. O que as pessoas querem ler? Eu posso escrever sobre. Querem uma explicação subatômica fodona sobre a composição dos elementos que transformam o trigo em um bolo? Claro, posso improvisar. Querem críticas de cinema? Ta bom. Tô mega desatualizada, mas posso pesquisar. Eu posso falar sobre qualquer coisa, sério mesmo. Me garanto. Sou uma garantia andante, na verdade. Mas não, não. Eu posso falar sobre todos os assuntos do mundo e, ainda assim, continuo no mais desinteressante do planeta, das galáxias, das histórias por trás das histórias não românticas existentes.

Eu quero escrever sobre os seus braços finos, o seu cabelo desarrumado, o seus passos rápidos. Eu quero escrever sobre você cruzando a rua em frente a minha e puxando o meu tapete construído em cima de milhões de livros de auto-ajuda e cartazes colados na parede do meu quarto. Você me cruza a rua, me incomoda a vista, me tira o equilíbrio e continua indiferente. E eu odeio você. Odeio, odeio, odeio. E odeio. Eu odeio o seu cabelo que implora pelas minhas mãos, os seus passos rápidos que imploram pela minha atenção, as suas mãos pequenas que imploram pelo meu corpo faminto. Eu odeio essas sensação esquisita de querer gritar o seu nome e, ao mesmo tempo, fechar os olhos pra não ter que olhar você indo embora sem mim.

Eu odeio ter oito livros enormes em cima da cabeceira e, ainda assim, preferir ficar pensando em você. E lembrando dos seus braços finos, da sua boca grossa, dos seus passos rápidos. De todas as milhares de ruas dessa cidade, você tinha que atravessar logo a que eu estava. De todas as milhares de vidas desse planeta, você tinha que rodopiar e detonar e dar risada logo da minha. De todos os milhares de caras desse mundo, eu tinha que estar escrevendo agora logo sobre você. Eu te odeio, te odeio, te odeio. E dane-se se o amor e o ódio dividem o mesmo espaço, continuo odiando. Você e seus passos rápidos, sua indiferença contida, seu cabelo desarrumado. Você e a mania de viver se atravessando nas linhas tortas da minha vida, a mania de me fazer escrever em linhas retas uma história cheia de erros periféricos. A mania de me fazer disfarçar amor com ódio, loucura com solidão, saudade com raiva.

Mas hoje, só por hoje, o texto não é sobre você. É sobre o meu ódio contido contra os seus passos rápidos, a sua indiferença apaixonada, a sua saudade catatônica. Só por hoje, saiba que eu estou falando dos meus sentimentos atravessados, de um momento inesquecível, sobre como o meu tapete seguro foi puxado pelo cara descabelado do outro lado da rua que se parecia muito com você. E, pela milésima vez, por favor, deixe de ser presunçoso. Por que esse texto, meu amor, não é sobre você.

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