Translate

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Trechos Anônimos #4

Se você for viver pelas expectativas dos outros, então essa não será a sua vida. Será a vida de outra pessoa, sendo vivida por você no papel de personagem principal. Quase como um roteiro que você terá que seguir e será o ator com o papel de ouro, dizendo coisas que não diria, fazendo coisas que não faria. E, como bom personagem principal, você tem o dever de reproduzir determinada imagem, determinada realização já antes esperada pelo autor.

Isso é muito comum nosso cotidiano. Vivemos para agradar ao pai que nos manda fazer medicina, à mãe que nos manda vestir aquela blusa brega que ela tanto ama, aos amigos descolados que só nos aceitam se formos descolados também, à mídia que define o limite calórico do nosso corpo ou a cor do nosso cabelo ou o tecido da nossa roupa, ao vizinho que tem uma grama muitíssimo mais verde que a nossa e precisa ser convencido de que isso não é verdade... Enfim. Vivemos para agradar às expectativas do mundo inteiro. É uma pressão enorme, mas cumprimos com exímia responsabilidade e grandioso esforço delimitações supérfluas que nos são impostas diariamente.

Bem, eu tenho uma má notícia pra você que ama viver sob a ótica da expectativa alheia: Isso não dura pra sempre. Pelo menos, pra mim, não durou. Mas essa é uma longa história. Antes, preciso contar como tudo começou, como eu comecei. Sim, acho que tenho vergonha de admitir que também vivia para agradar a todo mundo. Tudo bem que isso é normal, mas é que eu era... Hum... Como eu posso dizer... Exagerada. É, eu era um pouco exagerada. Não estava satisfeita com meu nariz, nem com minhas roupas, nem com meus pensamentos, nem com nada. Parecia que tudo estava errado e eu nunca conseguia agradar a ninguém. Eu era um desastre social, aquela que tentava de todas as maneiras fazer parte, mas nunca conseguia.

Conforme o tempo foi passando, eu finalmente consegui fazer parte. Quando aquela época esquisita da puberdade passou e eu comecei a entrar na época bonita (a fase em que os peitos crescem, os cabelos engrossam e a cintura afina), o mundo inteiro virou de cabeça pra baixo. Daí sim, eu passei de perdedora para a vencedora nata. Daí sim, eu fui cursar medicina, arrumei um namorado e deixei meu cabelo com uma californiana das boas pra me inserir no grupo. Todo mundo parecia contente. Eu andava nas ruas com o peito estufado, a bunda empinada do tipo "olhem-para-mim-e-me-invejem". As curvas do meu corpo? Ahh, eu me esbaldava nelas, usava shorts curtos, sandálias que faziam voltas assimétricas até o joelho, saias com babados, vestidos colados, meias arrastão, sapatilhas coloridas... Tudo que não ultrapassasse a linha tênue entre o vulgar e o recatado. Acho que eu era a típica garota de dezesseis anos da cidade grande, aproveitando o que a vida me oferecia.

Tudo era muito bonito e muito cor-de-rosa e muito cheio de coraçõezinhos, até que o "para sempre" chegou ao final. Da maneira mais imprevisível e maluca possível. Mas, como eu disse, essa é uma longa história. Uma história que não caberia nas palavras introdutórias dela mesma. Então que tal deixarmos as formalidades de lado e irmos direto ao ponto?

Inicial, é claro.

Vamos começar do começo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário