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terça-feira, 22 de novembro de 2011

Raimundo

Era uma vez um garotinho.

Tão bonito, tão pequeno.

Mas sentia que morria pouco a pouco na sua vida inocente de criança. Não queria morrer, mas morria. E quando olhava pro céu, pedia coisas para um ser que diziam que cuidava dele. Como chamavam mesmo? Ah, é. Chamavam de Deus. Então ele pedia a Deus um sorvete. Pedia a Deus um carrinho. Pedia a Deus um boneco de guerra. Só que as coisas não caíam em suas mãos como ele queria que caíssem. Daí ele foi pra catequese. E lá diziam que Deus era bom e que Deus o protegia. Mas se o tal de Deus era bom, por que é que não tinha mandado o sorvete e o carrinho e o boneco? Daí diziam que Deus escrevia certo por linhas tortas, e que ele, na sua imensidão misteriosa, sabia exatamente do que precisávamos antes de pedirmos. Mas isso não mudava o fato de que o sorvete e o carrinho e o boneco de guerra realmente não tinha caído do céu.
Daí o garotinho largou a catequese por que sentia que morria por dentro. Ele morria toda vez que pedia uma coisa a Deus e Deus não dava a ele. Então ele deixou de acreditar em Deus. E achou tantos, tantos amigos que também não acreditavam, que finalmente se sentiu inserido em algum lugar. O bom é que o garotinho passou o resto de sua infância, adolescência e amadurecimento sem querer saber do tal de Deus. O triste é que, a cada dia, sentia que estava morrendo por dentro, sentia um fedor estranho de dentro do seu estômago. E percebeu que estava doente, e o fedor era podre e a morte estava perto. Daí vieram o padre, o pastor e a freira e até uma senhora que era sua vizinha e tinha mania de acreditar nas coisas.
E ele nao quis saber de nada do que eles tinham pra dizer. Fechava os ouvidos e trancava os olhos com os cílios, numa forma desesperadora de se manter na sua inteligência.
"Mas por que tu nao queres saber de nada, Raimundo? Deus salva, Deus salva!"

E Raimundo achava graça.

E na sua desgraça engraçada, ele morreu.

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