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terça-feira, 22 de novembro de 2011

Seria bom

Não me lembro quando, mas sei que vai ter um show de rock clássico num lugar que chamam de "barkhouse". Disseram que ia ser bom. Tá, na verdade não disseram nada disso, mas eu disse a mim mesma que seria bom. Uma espécie de amizade crítica que criei para mim mesma. Como é mesmo aquela música que diz algo assim: "Olá, aqui é sua mente dando a você alguém com quem conversar, olá...". É, a música é algo assim e faz total sentido pra mim. Não acho que seja loucura, mas já que sou um ser social que tem medo de sociável, crio amigos. E seria bom se pudéssemos sair de vez em quando, tipo pra ir na casa do barkhouse. O que você acha?
"Acho que seria bom."
Então vamos?
"Vamos."

E fomos. Eu e meus dois amigos. Ou amigas. A verdade é que ainda não decidi. Tá são iguais a mim, porque só assim é que vão poder saber o que eu falo em pensamento sem que eu precise andar por aí falando alto. E fomos. Bebemos. Voltamos. Ê vida boa hein, amigos?
"Nem me fala"
Mas sempre tem alguém pra estragar a felicidade alheia, como por exemplo aqueles amigos de verdade, que conseguimos fazer no exterior. Não, não digo do exterior do mundo, mas... ah acho que é algo assim mesmo. No exterior do nosso mundo. Sabe, de dentro pra fora? Os amigos de carne e osso e veias e tendões. É, esses aí mesmo. Eis então que um desses chegou na minha casa e disse, como se tivesse o direito: "Por que tu falas sozinha?"

Perguntou na inocência mesmo, com os olhos arregalados e tudo. Se eu fosse o Stephan King poderia dizer que até vi o espectro dela mudar de cor e tal, mas eu não sou desse tipo de gente paranormal. Sou apenas alguém que enxerga meio borrado graças à miopia e não consigo ver o espectro de ninguém. Mas a verdade é que aquela pergunta me pegou de surpresa. Eu não falo sozinha!
"Tu falas sim!"
Não falo.
"E o que tu estás fazendo agora?"
Mas isso não é da tua conta, e para de ficar conjugando o verbo corretamente. Isso é coisa de viado.
"E além de mentirosa, também é preconceituosa?"
Não! Quer calar essa boca?
E eu disse isso em voz alta. E a minha amiga - aquela de carne e osso e tendões e olhos arregalados - ouviu. E parecia que ela estava assustada. Não sei, não entendo o comportamento de gente. Mas sei que ela ficou assustada. "Você fala sozinha mesmo!"
E aquela discussão, que antes eu discutia com a cópia invisível de mim, se repetiu. Mas dessa vez eu nao aguentei. Eu não falo sozinha e se eu falo ela não tem nada a ver com isso. Não é?
"É".
Então, que que eu faço?
"Mata ela."
Mas e se eu for presa?
"Não vai ir, é só matar. Daí a gente ve se espíritos existem ou não..."
Ah, eu não sei...
"Não mata!"
"Mata sim!"
Não sei direito como tudo aconteceu tão rápido depois, mas na hora me lembrei onde estava o revólver do meu avô. E era um calibre 38 e tal. Uma bala que explode por dentro do corpo e fazia a pessoa morrer antes de saber que tinha morrido. Mas morrer não parecia tão ruim... Talvez ela vivesse, né?
"É"

Então eu matei.

Não sei, não entendo direito. Mas ela não gritou nem nada, só continuou ali, com aqueles olhos arregalados e uma poça de sangue embaixo do furo dentro do crânio. Mas eu não vi espírito nenhum, nem luz nenhuma. Nem escutei o barulho do trem ou coisa do tipo. Talvez morrer seja só morrer. Né?
"É"

Seria bom se ela tivesse ido no barkhouse com a gente, afinal...

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