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segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Marcelo

Estávamos na sala de espera do dentista. Mas como ele era lindo. Não o dentista, mas sim o cara de óculos escuros que lia uma Veja do ano passado ao lado do bebedor de agua. As mãos fortes segurando a revista. Poderia ser a minha cintura. Poderia ser o meu cabelo. Poderia ser a minha cintura e o meu cabelo. Os olhos escondidos pela sombra maldita dos óculos poderiam devorar meus olhos, minha boca, meu estômago e vísceras que eu não me importaria. E como nos dávamos bem, eu e o desconhecido. Ele me perguntou se eu ia ficar ali muito tempo. E que cantada mais bela foi essa! O pobrezinho tava doido pra investir na minha beleza, quando eu, tentando ser comportada, disse que meu horário era o próximo. Vi o modo como lábio inferior dele se curvou, traçando uma linha de decepção. Ah meu amor, meu amor, eu vou ficar aqui contigo. Nos dávamos tão bem, eu e ele. Mal podia esperar para ouvir o seu nome. Ele tinha cara de Luíz. Sim, Luíz. Não, não, talvez fosse Marcelo. Mas poderia ser Dagmar também. Não, ele era Marcelo. E como o Marcelo era bonito. E como a cor esbranquiçada das juntas dos dedos dele contrastavam bem com a pele rosada do meu rosto. Eu sei disso por que prestei muita atenção na nossa ultima foto, no nosso ultimo inverno juntos. E que inverno maravilhoso foi aquele! Cheio de foundies e carinhos e declarações. Lembro do rosto do meu pai quando ele disse que amava futebol. Ah... Como se deram bem. Não é a toa que o Marcelo é o homem da minha vida. E aqueles olhos cast... Não, não, acho que são azuis. Ou verdes. Prefiro verdes. Oh que olhos bonitos tem a minha alma gêmea. As mãos dele na minha cintura, a respiração dele no meu rosto. Como é animado o Marcelo. Nunca pensei que um desconhecido pudesse ser tão encantador, tão romântico, tão... Tão... Tão ele!

- Você se chama Clara?

Estávamos lá de novo. Ele havia tirado os óculos escuros e a revista estava ao lado daquelas pernas grandes e musculosas que eu tinha tocado tantas e tantas vezes naquele nosso ultimo inverno. E os olhos dele eram castanhos mesmo. Tão lindo meu Marcelo. Mas lá estávamos nós na triste situação de desconhecidos companheiros de espera do meu dentista. E ele estava me perguntando se era eu que o infeliz tinha chamado pra consulta. E ambos, na ignorância de meus sentimentos, haviam tirado-me de minha lua de mel. Mas a culpa não era dele, tadinho. Ele não sabia, mas eu já tinha feito muitas e muitas coisas com ele em apenas vinte minutos. Mas tive que me recompor e ser educada e toda essa história de mulher correta e tal.

- É, sou eu.

Ele sorriu. Ah meu Deus, por que ele tinha que sorrir daquele jeito? Lembro de quando nos conhecemos naquele cruzeiro de 2001 e ele sorriu da mesma maneira pra mim. Eu me apaixonei na hora e desde então nunca mais nos desgrudamos. Mas desisti do Marcelo. Não era homem pra mim. Eu amava mais quando ele tinha os olhos verdes. Sempre assim. Eu me apaixono e o cara faz questão de me lembrar que realmente existe. E pior do que isso, me convence de que é exatamente o contrário do que eu imaginei que fosse. Homens são tão reais e decepcionantes que me entristecem.

Mas eu amei o Marcelo. Ah, se amei.


 

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