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terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Bulimia Literária

Engulo meu futuro, na situação cômica de se estar desesperada. Estou desesperada. Estou gritando, morrendo, aos prantos por dentro. Como ninguém consegue ouvir o barulho, o apocalipse, a batida estrondosa que faz no fundo dos meus ossos? São surdos. Ou cegos. Mas dizem que o pior cego é aquele que não quer ver...

Mas estou desesperada. E preciso ser sincera, caso contrário a minha cota de ofensas a mim mesma aumentará conforme minta e engane a todos e a mim. E eu não mereço isso. Olá, egocentrismo, é você? Mas o que posso fazer se sou honesta, egocêntrica e desesperada? E ansiosa. E teimosa. E infantil. Mas estou, estou desesperada. No meu prato principal do almoço, engulo a África, a Europa e algumas ilhas escocesas. De sobremesa, me sobram alguns livros de Freud, alguma moda alternativa de Nova York e algum texto clássico de Jane Austen. No lanche, olha só, temos sanduíches de pessoas. Um pouco de molho de atenção e olhares e quase amores. Quase uma conversa real, quase um flerte. Passo o dia devorando o mundo, enquanto ele não pode me devorar. Engolindo atenções inteiras, enquanto não tenho ânimo de retribuir. Conheço pessoas novas sem sair de casa. Voltei aos meus 14 anos. Quase amo meu amigo que toca violão. Quase. Não cometerei mais o mesmo erro, não mesmo.

Mas estou desesperada. Na minha frente, cadernos, livros, filmes. Um quilo de cultura estrangeira para disfarçar um dia entediante. Para disfarçar um desespero alarmante e ensurdecedor. Sinto movimentos no meu corpo que não posso executar. Sinto correntes nos meus braços, nas minhas pernas. Estou presa, estou livre. E no meu desespero de não saber como me encontro, engulo todo mundo. Comer, meu grande martírio, se tornou meu grande prazer. Quase sou obesa. Não de corpo, mas de alma. Engulo tudo, como tudo, gorduras, carne, hormônios da carne. Tudo. Sou tão gorda que meu corpo pesa demais para que eu consiga me levantar. Mas eu vou.

Entre o desespero e a determinação, tento ser altruísta e não consigo. Como pensar nos outros quando eu sou o suficiente para causar-me problemas? É uma espécie de círculo hermenêutico, que gira e gira e gira e gira e nunca chega a lugar algum. Mas estou determinada a chegar a algum lugar, não importa a onde. No outro lado do mundo, alguém me diz que tudo ficará bem. E a voz dele quase faz tudo ficar bem. Mas estou desesperada demais pra prestar atenção no que quase é. Adeus, meu amigo, estou indo comer alguns países e algumas culturas com um pouco de conhecimento medíocre. Adeus, adeus. Estou indo engordar um pouco para depois vomitar tudo de novo na minha tentativa de ser magra. Tenho bulimia, não física, mas psicologicamente. Engulo tantas coisas que depois vomito tudo em cima de algum papel. Esse texto é só mais um bolo alimentar, cheio de ácido do meu estômago vazio. É o vômito da minha reflexão matinal sobre meu vício, minha gula. Adeus, adeus.

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