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terça-feira, 15 de maio de 2012

A Quase Utopia

Eles discutem sobre a orla do guaíba, mas eu não consigo prestar atenção. Tem um nó de lã, uma bola de pêlo presa na minha garganta. Tá difícil de engolir, tá difícil de respirar, tá difícil pensar. Acordei hoje às cinco da manhã com um dragão cuspindo dentro do meu estômago, arranhando meu útero. Tem cólica, tem dor de cabeça, tem o azedo do álcool do final de semana e tem a espera. A longa e interminável espera. E então, a espera vai acabar. E se eu te ver e desmaiar? E se eu sair correndo e me esconder atrás de uma árvore qualquer, só pra esconder o meu medo de te tocar e perceber que tu é real? E se eu rolar pelo chão ou passar desapercebida só pra te admirar de longe e poder concluir, com certo conformismo, que no fundo nós nunca daríamos certo?

Tá difícil. Criar coragem e encostar no que é real me dá medo. Tá difícil de aceitar a realidade batendo na minha cara. Ou abraçando o meu corpo que treme, o que no final vai resultar na mesma violência contra a minha falsidade ideológica. Esperei tanto pra quê? Pra admitir a minha covardia e deixar minha insegurança tomar conta? Pra querer voltar a ser criança e ter coragem de subir em todas as árvores mais altas só pra provar a minha valentia? Pra querer me esconder embaixo do cobertor e dormir eternamente, enquanto alguém lá fora espera que eu tome vergonha na cara e viva corajosamente? Queria ser como o super-homem que é de aço e bonitão e não precisa ter medo das coisas. Mas acho que eu tô presa na minha insignificância de Clark Kent. Eu e meus disfarces. Eu e minhas mentiras. Eu e esse óculos enorme que cobre os meus olhos esbugalhados de medo.

Como é que se faz quando a gente quer sair correndo pra debaixo da saia da mãe e nunca mais olhar o mundo de novo? E se eu quisesse me usar como um personagem, eu seria a menininha de oito anos que se esconde no porão, com medo da luz. A iluminação tem o perigo de me pôr em evidência e por isso foi tão fácil superar o medo de escuro: Estar em evidência é assustador demais. A claridade vai acabar matando as minhas crenças e isso é perigoso. O escuro me dá o privilégio de acreditar em tudo que eu quiser de forma cega e isso é bom. O mistério de tudo que eu nunca vou entender me basta e é exatamente essa certeza que me mantém em pé. Minto: é exatamente essa certeza que eu quero que me mantenha em pé. Mas a força que me faz ficar firme todos os dias de nada tem a ver com luz ou escuro. Acho que é mais uma questão de teimosia.

Não consigo verdadeiramente entender meu medo do claro, do real, do que é tocável. E por isso que, irracionalmente, sinto medo de ti. Se eu encostar, vai doer? Se eu sentir, vai doer? Não é nada pessoal, só que eu já tô tão acostumada com essa historia de dor que acho estranho quando alguém me oferece certa parcela de segurança. Tem certeza que eu não vou quebrar? Ufa! Achei que tu ia dizer que eu ia durar pra sempre. E que bom que tu quer juntar meus pedaços se isso acontecer. Prometo que vou me lembrar disso, mais tarde, quando tudo doer e tudo quebrar. Ah, espera. Acho que te vi... Não, não me olha. É agora que eu saio de cena e deixo a moça com o cabelo esvoaçante correr pela rua principal. Ela é mais fotogênica, segura e corajosa do que eu. Eu sou a figurante que te diz quando tem que aparecer ou não. Ei, espera. Não, não me abraça. Não me diz que sentiu minha falta. Não me diz que ta feliz em me ver. Não, não me ofereça amor ou carinho, se não eu posso querer virar a personagem principal. E eu nem tenho a pele perfeita que uma personagem principal deveria ter.

Iiii, ferrou! Olha só pra mim, ali no close da câmera, tá vendo? É o meu nariz torto que dá certo charme à minha timidez. Olha ali teu sorriso debochando contrastando com a minha neurose. Não é que a gente combina? A garota tapada e o cara idiota. Que clichê meu Deus, que clichê. E ainda tem nego que diz que isso é uma história bonita. Ah não... É agora que a gente se beija. Mas me beija logo, antes que eu saia correndo daqui, com toda a minha insegurança que tem medo do real. Tu é real demais, droga. É um avalanche de realidade acertando em cheio o meu mundo de imaginações. E olha que chato, a gente não saiu correndo em câmera lenta com os braços abertos. Não tocou alguma musica do James Blunt no fundo. E meu cabelo nem voou pra esquerda. Foi algo mais complexo, mais real do que isso.

Que que eu faço quando o medo de te tocar é substituído pelo medo de não te ver nunca mais? Iiii, mudou a cena. Acho que eu apertei naquele botão idiota que pula de uma cena pra outra. Olha, lá tá a menina do nariz torto escrevendo sobre a cena anterior. E ela ri do medo, da neurose, da insegurança, da insônia e da dor de barriga. Ela ri do som da voz dele, do tropeço que ela deu quando o viu. Ela ri de saudade, de felicidade, de vergonha. E se pergunta, pela milésima vez, por que logo ela, dentre todas as mulheres que são românticas incorrigíveis, tinha que estar escrevendo sobre isso com uma certa satisfação dentro do peito. Por que, logo ela, com toda a revolta anticapitalista, antiromântica, anticarnívora, antifutilidades, antibaratas e antimeio-mundo, tinha de estar bancando a menininha de doze anos que descobre a magia da vida só por que sente amor? E se sente patética, de novo. Patética, insegura e com medo. Medo que tudo tenha sido real. Por que, no fundo, lá dentro do mundo louco do subconsciente dela, eles se viram e ficaram juntos e comemoraram e riram e subiram pelo arco-íris até o infinito. Foi um sonho. Foi real. Não importa. Só importa que realmente foi alguma coisa. E isso, por si só, já faz todo o resto valer a pena.


 

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