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sábado, 14 de abril de 2012

Diário de uma prostituta que tem vida de cachorro

Meu celular toca às três da manha. No visor, uma mensagem dele dizendo que eu já posso ir. Como se fosse meu turno e eu estivesse atrasada demais tentando dormir na minha cama. Não é como receber uma mensagem de "eu te amo" ou "estava sonhando com você". Mas dentre todas as possibilidades, essa é que menos me agrada e a que mais é real. Entao, com o coração batendo forte e o estômago dando cambalhotas, eu pego as chaves do carro e vou.

Vou pra casa daquele que só lembra que me tem quando não tem nenhuma outra alternativa. Vou pra casa daquele que me oferece amor por medo do tédio. Vou pra casa daquele que me ama por cinquenta minutos como se fosse pra sempre e depois me esquece como se nunca tivéssemos nos conhecido. Mas mesmo assim, eu vou. Com a dignidade no fundo do poço e a carência eclodindo das minhas veias. Eu vou. Por que eu prefiro milhões de vezes ser dele pela metade do que deixa-lo me esquecer por inteira. Alguns dizem que isso é falta de autoestima, o que eu definitivamente não duvido que seja. Mas também é o desejo absurdo de ser correspondida de alguma forma, nem que seja por alguns segundos. O desejo absurdo de acreditar que o amor existe e que eu e ele somos felizes. Se é falta de autoestima, eu não me importo. Desde que ele me faça esquecer disso.

Atravesso a cidade em menos de vinte minutos. Por isso que é bom sair de madrugada: não tem transito, não tem leis. Só eu, meu carro e o pouco de sanidade que ainda me resta. Chego na frente do apartamento dele, aperto a campainha. O porteiro já me conhece. Aquele velho careca que me olha com malicia, quase como se eu fosse uma prostituta. E talvez eu seja mesmo. Vivo prostituindo o meu corpo e os meus sentimentos pra quem não tem o mínimo interesse em conseguir isso de graça. Eles me dão em troca um pouco de calor, e está feita a venda. E dane-se as criticas. A porra dos sentimentos são meus e eu vendo pra quem eu quiser. Inclusive o meu corpo, que eles ganham como brinde pela compra bem feita. Subo até o quinto andar do prédio chique com piscina la embaixo. O apartamento dele deve ter custado, pelo menos uns setecentos mil reais, mas isso é o de menos. Dinheiro é a ultima coisa que me interessa. Eu só aceito calor como pagamento, nada mais. Não gosto de dinheiro, me faz parecer suja.

Ele aparece na porta. Os olhos bem abertos, o cabelo bagunçado, o cheiro de álcool. Completamente irresistível. Completamente o homem da minha vida. Completamente meu pra sempre. Sinto meu rabo abanando por trás das minhas costas, mas ele não vê. Por que ele não se dá conta que eu sou o cachorrinho fiel que sempre volta com o rabo abanando e a vontade de lamber ele todinho. Não, ele nem percebe quando os meus pelos se arrepiam só por ele me olhar daquele jeito. Ele só sabe me tratar como cachorro, mas não me ver como um. Talvez por que possa parecer cruel demais pra ele me ver assim e ele goste de se enganar que me trata como gente mesmo. Talvez por que, no fundo, ele goste do meu cabelo curto de humana, do meu gemido baixo de humana, da minha genitália de humana. Mas nada disso importa, contato que eu o tenha pela metade. E daí que eu seja o cachorrinho fiel? E daí que eu seja a prostituta do meio da madrugada que larga todos os compromissos e seriados de tv só pra vir correndo dar um pouco da minha dignidade pra ele? Não me importa.

Dois segundos depois e eu não sei mais onde estão as minhas roupas ou o meu papo de adolescente que dizia que só ia fazer essas coisas depois do casamento. Casamento uma ova. Já sou bem grandinha pra ficar acreditando nessas coisas. Casar virgem é o ápice da estupidez. O ápice das mal-amadas. Casam virgens só pra segurar o homem. Ainda bem que eu não fui estupida. Ainda bem que eu sou bem esperta. Ainda bem que eu dei pra todo mundo que eu queria. Por que só assim eu consigo me convencer que não me arrependo de nada de idiota que eu faça na minha vida. Tipo receber esmolas de qualquer bebum que me aparece em algum barzinho com pegada rock. Tipo me apaixonar por qualquer um com a barba mal feita que fala de mansinho e diz que eu sou mesmo é do tipo de casar. Tipo ir parar na casa deles com todas as expectativas e noites sem dormir só pra me dar conta que eu sou, no fundo, uma mendiga implorando por migalhas.

A verdade é que eu odeio essas epifanias depois do meu conto com finais felizes. Eu odeio me dar conta da minha situação vergonhosa e dos meus enjoos da mesmice platônica só depois que cometo o mesmo erro de novo e de novo. Então, eu junto minhas roupas do chão, chamo o cara de filho da puta, como se isso fosse trazer a minha dignidade de volta, e saio do apartamento dele com a bunda empinada, me sentindo a mulher mais inteligente do planeta. Que vida de cachorro o quê! Eu sou independente e não preciso de ninguém. Chega de me prostituir, chega dessa vida de rabos abanando! Chega! Agora eu vou me concentrar pra ir estudar em Harvard ou fazer um intercambio na Austrália. Vou planejar minhas férias no Havaí com os meus pais e vou dar um banho bem dado no meu hamster quando chegar em casa.

Quando eu tô saindo pela porta dele com todos esses planos na cabeça, ele grita la do quarto que no fundo me ama mesmo. Que no fundo eu sou mesmo é pra casar e ele não presta. Meu problema é que eu acho essa honestidade masculina tão, mas tão bonita, que sempre desisto de Harvard e de dar banho no meu hamster. E volto correndo pra ficar olhando pra aquela baba de cachaça que cai da boca dele, com o rabinho abanando e tudo. Meu problema é ter fé demais nesses idiotas que parecem ter coração. Vai ver eu nasci pra ser cachorro mesmo. Ou pra viver de esmola. E a culpa é toda minha por ter nascido mulher com uma classe média que acaba com todo o meu dom pra miséria.


 

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