Translate

terça-feira, 3 de abril de 2012

A mulher de vermelho

A mulher de vermelho é a típica quarentona muito bem sucedida que eu tanto quero ser quando chegar naquela idade. Os cabelos negros caem como uma cortina que fecham o rosto cansado. É míope, tadinha. Que nem eu. Temos tanto em comum que quase me emociono com as semelhanças. E ela é a professora, ex-presidente de não sei o quê e isso e aquilo. Ou, em outras palavras, a quarentona toda fodona de vermelho. Uma daquelas que deixou das drogas e do rock'n roll em prol do futuro da humanidade. Ou não. Talvez ela tenha simplesmente mudado uma pequena parte do mundo...

Eu sou apenas a observadora cega que não entende da vida de ninguém. Mas, no meio de um discurso sobre jurisdição e toda essa porcaria de direitos dos adolescentes, ela diz algo que me toca. Algo sobre como os problemas da sociedade atingem uma profundidade superficial. Algo sobre como as pessoas não olham de outro ângulo, mais profundo do que esse que todo mundo vê. E de repente, uma pequena parte de mim começa a admirá-la. Quer dizer, num mundo cheio de babacas míopes, ela é uma pessoa que vale a pena ser escutada. Então, paro de prestar atenção na calvície da senhora sentada na minha frente e me concentro no discurso ético da mulher. Não me lembro do nome dela agora, mas sei que ela é bem importante. Ou foi, pelo menos, por um tempo, para o Estado. E ela diverge sobre como os problemas não são entendidos, e sobre como a sociedade influencia no andamento da justiça. E ela sorri, de uma forma toda educada que diz "eu sorrio assim por que sou bem sucedida de mais para estragar minha expressão com um rasgo catastrófico na boca". Ou algo assim. Os óculos, caídos na ponta do nariz, a tornam interessante. Não de maneira atrativa, mas de maneira intelectual. A típica chefa filha da puta que acaba com a tua vida social, mas tu admira mesmo assim.

Sei lá, ainda não entendo por que gosto tanto de criar toda uma historia em cima dessas pessoas que eu mal conheço, mas talvez seja útil. Eu admiro a mulher de vermelho mesmo. E eu a julguei por todas as minhas ideias sem sentido sobre ela. Minha psicóloga me perguntou se eu gostaria que fizessem isso comigo. Mas eu gostando ou não, as pessoas fazem, certo? Então eu também tenho esse direito. Por que eu sou uma velha cheia de esquisitices e remorsos e saudades já aos dezoito. O que será de mim aos sessenta? Será que eu vou ser a mulher deprimida com o sorriso contido naquela roupa vermelha discursando no Tribunal de Contas do Estado como alguém que realmente sabe das coisas? Ou eu vou apenas ser a velha chata e amargurada no canto de algum asilo?

Circo. Eu vou trabalhar no circo. Aos sessenta eu vou ser a melhor malabarista do mundo. E tudo isso com uma roupa vermelha, que nem a moça triste que eu descrevi. E seremos muito felizes. Ou não.

Nenhum comentário:

Postar um comentário