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segunda-feira, 19 de março de 2012

Como alimentar seu futuro alimento

E foi com um ar prepotente que eu tomei minha decisão: Eu iria de shorts. Simples, fácil, arejado. E dane-se os olhares aleatórios, dane-se a simpatia motivada pela compaixão coletiva, dane-se a opinião da Clarice Lispector sobre gostar do que cai errado no chão. Não queria repreensões nem admirações nem palmas. Na verdade, talvez eu quisesse palmas, mas isso é assunto para outro texto. Algo que fale sobre a minha vaidade reprimida ou coisa assim. Não, esse texto fala sobre como alimentar galinhas no abate. Sobre como enfiar tubos metálicos na garganta de milhares de aves e depois entupir todas elas com hormônios, rações e sofrimento. Sobre como a carne branca e macia do animal se enrola na nossa língua durante o almoço, a janta, o lanche. Sobre como o sangue delas se esvai panela a dentro e nosso olfato predatório é estimulado. Não, não... Esse texto fala sobre como eu vou meter tubos enormes de ferro dentro de todas as gargantas de quem ousar se surpreender. Não compreendo os olhos esbugalhados das crianças mal-educadas e nem quero pensar sobre os olhares tímidos dos adultos. Não me olhem. Simplesmente não me olhem. Não, não... Estou ficando louca, sobre o que estava falando mesmo? Oh, que estupidez a minha... Eu amo chamar a atenção! Olhem-me! Olhem-me aves. E eu vou dar a vocês toda a proteína da minha ração em forma de protesto. Um protesto nulo, patético e inútil, mas ainda assim, um protesto. Por que a minha perna de ferro vai fazer com que todos os olhos esbugalhados das crianças me irritem e todos os olhos semi-abertos dos adultos me divirta. Por que eu sou a coxa que foi enganada pelo Brás Cubas, como já contava o Machado de Assis. Por que eu sou a dona do matadouro de mentes vazias. Abram os olhos e me vejam, me vejam. Engulam toda a assimetria do meu corpo, todo o movimento infantil da criança de um ano que não sabe andar. Engulam a presença do defeituoso que tanto incomoda ao perfeito. Engulam, meus queridos. Apenas engulam. E façam disso, o alimento principal das gerações futuras.

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